quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A interpretação das culturas - Clifford Geertz



GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Editora: LTC – Livros técnicos e Científicos. Rio de Janeiro. 1989


Capitulo 2: O impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem

“A perspectiva iluminista do homem era, naturalmente, a de que ele constituía uma só peça com a natureza e partilhava da uniformidade geral de composição que a ciência natural havia descoberto sob o incitamento de Bacon e a orientação de Newton.” (P.25)

“A enorme e ampla variedade de diferenças entre os homens, em crenças e valores, em costumes e instituições, tanto no tempo como de lugar para lugar, é essencialmente sem significado ao definir sua natureza. Consiste em meros acréscimos, até mesmo distorções, sobrepondo e obscurecendo o que é verdadeiramente humano — o constante, o geral, o universal — no homem.”(P.26)

“Assim, numa passagem hoje notória, Dr. Johnson viu que o gênio de Shakespeare residia no fato de que “ seus caracteres não são modificados pelos costumes de determinados lugares, não-praticados pelo restante do mundo; pelas peculiaridades dos estudos ou profissões seguidas por pequeno número de pessoas, ou pelos acidentes de modas passageiras ou opiniões temporárias”. E Racine via o sucesso de suas peças ou temas clássicos como prova de que “o gosto de Paris..,combina com o de Atenas: meus espectadores foram tocados pelas mesmas coisas que, em outros tempos, levaram lágrimas aos olhos das classes mais cultas da Grécia”. ( P.26)

“ O problema com esse tipo de perspectiva.(...) é que a imagem de uma natureza humana constante, independente de tempo, lugar e circunstância, de estudos e profissões, modas passageiras e opiniões temporárias, pode ser uma ilusão, que o que o homem é pode estar tão envolvido com onde ele está, quem ele é e no que ele acredita, que é inseparável deles. É precisamente o levar em conta tal possibilidade que deu margem ao surgimento do conceito de cultura e ao declínio da perspectiva uniforme do homem. O que quer que seja que a antropologia moderna afirme — e ela pa ter afirmado praticamente tudo em uma ou outra ocasião —, ela tem a firme convicção de que não existem de fato homens não-modificados pelos costumes de lugares particulares, nunca existiram e, o que é mais importante, não o poderiam pela própria natureza do caso.” (P.26)

“Essa circunstância faz com que seja extraordinariamente difícil traçar uma linha entre o que é natural, universal e constante no homem, e o que é convencional, local e variável. Com efeito, ela sugere que traçar tal linha é falsificar a situação humana, ou pelo menos interpretá-la mal, mesmo de forma séria.”(P.27)

“ É entre interpretações como essas, todas insatisfatórias, que a antropologia tem tentado encontrar seu caminho para um conceito mais viável sobre o homem, no qual a cultura e a variabilidade cultural possam ser mais levadas em conta do que concebidas como capricho ou preconceito e, no entanto, ao mesmo tempo, um conceito no qual o princípio dominante na área, “a unidade básica da humanida de”, não seja transformado numa expressão vazia.” (P.27)

“Alimentar a idéia de que a diversidade de costumes no tempo e no espaço não é simplesmente uma questão de indumentária ou aparência, de cenários e máscaras de comediantes, é também alimentar a idéia de que a humanidade é tão variada em sua essência como em sua expressão.” (P.27)

“Para a imagem do homem do século XVIII, como o racional nu que surgiu quando ele se despiu dos seus costumes culturais, a antropologia do final do século XIX e início do século XX substitui a imagem do homem como do animal transfigurado que surgia quando ele novamente se vestia com esses costumes.” (P. 28)

“Ao nível da pesquisa concreta e da análise específica, essa estratégia grandiosa desceu, primeiro, a uma caçada por universais na cultura, por uniformidades empíricas que, em face da diversidade de costumes no mundo e no tempo, podiam ser encontradas em todo o lugar em praticamente a mesma forma e, segundo, a um esforço para relacionar tais universais, uma vez encontrados, com as constantes estabelecidas de biologia, psicologia e organização social humanas.” ( P.28)

“Em essência, essa não é certamente uma idéia nova. A noção de um consensus gentium (um consenso de toda a humanidade) — a noção de que há algumas coisas sobre as quais todos os homens concordam como corretas, reais, justas ou atrativas, e que de fato essas coisas são, portanto, corretas, reais, justas ou atrativas — estava presente no iluminismo e esteve presente também, em uma ou outra forma, em todas as eras e climas.” ( P.28)

“ O fato de que em todos os lugares as pessoas se juntam e procriam filhos têm algum sentido do que é meu e do que é teu, e se protegem, de alguma forma, contra a chuva e o sol não é nem falso nem sem importância, sob alguns pontos de vista. Todavia, isso pouco ajuda no traçar um retrato do homem que seja uma parecença verdadeira e honesta e não urna espécie de caricatura de um “João Universal”, sem crenças e credos.”( P.29)

“Meu ponto de vista, que deve ser claro e, espero, logo se tornará ainda mais claro não é que não existam generalizações que possam ser feitas sobre o homem como homem, além da que ele é um animal muito variado, ou de que o estudo da cultura nada tem a contribuir para a descoberta de tais generalizações. Minha opinião é que tais generalizações não podem ser descobertas através de uma pesquisa baconiana de universais culturais, uma espécie de pesquisa de opinião pública dos povos do mundo em busca de um consensus gentium que de fato não existe e, além disso, que as tentativas de assim proceder conduzem precisamente à espécie de relativismo que toda a aborda em se propunha expressamente evitar.”(P.29)

“Os universais culturais são concebidos como respostas cristalizadas a essas realidades inevitáveis, formas institucionalizadas de chegar a termos com elas.” (P.31)

“Novamente o problema aqui não é tanto se, de uma forma geral, essa espécie de congruência existe, mas se ela é maior do que uma congruência frouxa e indeterminada. Não é difícil relacionar algumas instituições humanas ao que a ciência (ou o senso comum) nos diz serem exigências para a existência humana, mas é muito mais difícil afirmar essa relação de forma inequívoca. Qualquer instituição serve não apenas uma multiplicidade de necessidades sociais, psicológicas e orgânicas (de forma que dizer que o casamento é mero reflexo da necessidade social de reprodução, ou que os hábitos alimentares são mero reflexo das necessidades metabólicas, é fazer uma paródia), mas não há qualquer modo de se afirmar, de forma precisa e testável, quais as relações interníveis que se supõe manter-se.” (P.31)

“A despeito do que possa parecer, não há aqui uma tentativa sé ria de aplicar os conceitos e teorias da biologia, da psicologia ou até mesmo da sociologia à análise da cultura (e, certamente, nem mesmo uma sugestão do inverso), mas apenas a colocação, lado a lado, de fatos supostos dos níveis cultural e subcultural, de forma a induzir um sentimento vago de que existe uma espécie de relação entre eles — uma obscura espécie de “modelagem”. Não há aqui qualquer integração teórica, mas uma simples correlação, assim mesmo intuitiva,de achados separados. Com a abordagem de níveis não podemos jamais, mesmo invocando “pontos invariantes de referência”, construir interligações funcionais genuínas entre os fatores cultural e não- cultural, apenas analogias, paralelismos, sugestões e afinidades mais ou menos persuasivas.”( P.31)

“A principal razão pela qual os antropólogos fogem das particularidades culturais quando chegam à questão de definir o homem, procurando o refúgio em universais sem sangue, é que, confrontados como o são pela enorme diversidade do comportamento humano, eles são perseguidos pelo medo do historicismo, de se perderem num torvelinho de relativismo cultural tão convulsivo que poderá privá-los de qualquer apoio fixo.” ( P. 32)

“A noção de que, a menos que um fenômeno cultural seja empiricamente universal, ele não pode refletir o que quer que seja sobre a natureza do homem é tão lógica como a noção de que, porque uma anemia celular não é, felizmente, universal, ela nada nos pode dizer sobre os processos genéticos humanos.” ( P.32)

“Resumindo, precisamos procurar relações sistemáticas entre fenômenos diversos, não identidades substantivas entre fenômenos similares. E para consegui-lo com bom resultado precisamos substituir a concepção “estratigráfica” das relações entre os vários aspectos da existência humana por uma sintética, isto é, na qual os fatores biológicos, psicológicos, sociológicos e culturais possam ser tratados como variáveis dentro dos sistemas unitários de análise. O estabelecimento de uma linguagem comum nas ciências sociais não é assunto de mera coordenação de terminologias ou, o que é pior ainda, de cunhar novas terminologias artificiais. Também não é o caso de impor um único conjunto de categorias sobre a área como um todo. É uma questão de integrar diferentes tipos de teorias e conceitos de tal forma que se possa formular proposições significativas incorporando descobertas que hoje estão separadas em áreas estanques de estudo.”(P.32)

“Na tentativa de lançar tal integração do lado antropológico e alcançar, assim, uma imagem mais exata do homem, quero propor duas idéias. A primeira delas é que a cultura é melhor vista não como complexos de padrões concretos de comportamento — costumes, usos, tradições, feixes de hábitos —, como tem sido o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle — planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros de computação chamam “programas”) — para governar o comportamento. A segunda idéia é que o homem é precisamente o animal mais desesperadamente dependente de tais mecanismos de controle, extragenéticos, fora da pele, de tais programas culturais, para ordenar seu comportamento. ( P.32)

“A partir de tais reformulações do conceito da cultura e do papel da cultura na vida humana, surge, por sua vez, uma definição do homem que enfatiza não tanto as banalidades empíricas do seu comportamento, a cada lugar e a cada tempo, mas, ao contrário, os mecanismos através de cujo agenciamento a amplitude e a indeterminação de suas capacidades inerentes são reduzidas à estreiteza e especificidade de suas reais realizações. Um dos fatos mais significativos a nosso respeito pode ser, finalmente, que todos nós começamos com o equipamento natural para viver milhares de espécies de vidas, mas terminamos por viver apenas uma espécie.” ( P. 33)

“A perspectiva da cultura como “mecanismo de controle” inicia-se com o pressuposto de que o pensamento humano é basicamente tanto social como público — que seu ambiente natural é o pátio familiar, o mercado e a praça da cidade. Pensar consiste não nos “acontecimentos na cabeça” (embora sejam necessários acontecimentos na cabeça e em outros lugares para que ele ocorra), mas num tráfego entre aquilo que foi chamado por G. H. Mead e outros de símbolos significantes — as palavras, para a maioria, mas também gestos, desenhos, sons musicais, artifícios mecânicos como relógios, ou objetos naturais como jóias — na verdade, qualquer coisa que esteja afastada da simples realidade e que seja usada para impor um significado à experiência. Do ponto de vista de qualquer indivíduo particular, tais símbolos são dados, na sua maioria. Ele os encontra já em uso corrente na comunidade quando nasce e eles permanecem em circulação após a sua morte, com alguns acréscimos, subtrações e alterações parciais dos quais pode ou não participar. Enquanto vive, ele se utiliza deles, ou de alguns deles, às vezes deliberadamente e com cuidado, na maioria das vezes espontaneamente e com facilidade, mas sempre com o mesmo propósito: para fazer uma construção dos acontecimentos através dos quais ele vive, para auto-orientar-se no “curso corrente das coisas experimentadas”, tomando de empréstimo uma brilhante expressão de John Dewey.” ( P.33)

“O homem precisa tanto de tais fontes simbólicas de iluminação para encontrar seus apoios no mundo porque a qualidade não-simbólica constitucionalmente gravada em seu corpo lança uma luz muito difusa. Os padrões de comportamento dos animais inferiores, pelo menos numa grande extensão, lhes são dados com a sua estrutura física; fontes genéticas de informação ordenam suas ações com margens muito mais estreitas de variação, tanto mais estreitas e mais completas quanto mais inferior o animal.” (P.33)

“Quanto ao homem, o que lhe é dado de forma inata são capacidades de resposta extremamente gerais, as quais, embora tornem possível uma maior plasticidade, complexidade e, nas poucas ocasiões em que tudo trabalha como de vê, uma efetividade de comportamento, deixam-no muito menos regulado com precisão. Este é, assim, o segundo aspecto do nosso argumento. Não dirigido por padrões culturais — sistemas organizados de símbolos significantes — o comportamento do homem seria virtualmente ingovernável, um simples caos de atos sem sentido e de explosões emocionais, e sua experiência não teria praticamente qual quer forma. A cultura, a totalidade acumulada de tais padrões, não é apenas um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela — a principal base de sua especificidade.” ( P. 33)

“Na antropologia, algumas das evidências mais reveladoras que apóiam tal posição provêm de avanços recentes em nossa compreensão daquilo que costumava ser chamado a descendência do homem: a emergência do Homo sapiens do seu ambiente geral primata. Três desses avanços são de importância relevante: (l) o descartar de uma perspectiva seqüencial das relações entre a evolução física e o desenvolvimento cultural do homem em favor de uma superposição ou uma perspectiva interativa; (2) a descoberta de que a maior parte das mudanças biológicas que produziram o homem moderno, a partir de seus progenitores mais imediatos, ocorreu no sistema nervoso central, e especialmente no cérebro: (3) a compreensão de que o homem é, em termos físicos, um animal incompleto, inacabado; o que o distingue mais graficamente dos não homens é menos sua simples habilidade de aprender (não importa quão grande seja ele) do que quanto e que espécie particular de coisas ele tem que aprender antes de poder funcionar.” (P.34)

A perspectiva tradicional das relações entre o avanço biológico e cultural do homem era que o primeiro, o biológico, foi completado, para todos os intentos e propósitos, antes que o último, o cultural, começasse. Isso significa dizer novamente que era estratigráfico. O ser físico do homem evoluiu, através dos mecanismos usuais de variação genética e seleção natural, até o ponto em que sua estrutura anatômica chegou a mais ou menos à situação em que hoje o encontramos: começou então o desenvolvimento cultural. Em algum estágio particular da sua história filogenética, uma mudança genética marginal de alguma espécie tornou-o capaz de produzir e transmitir cultura e, daí em diante, sua forma de resposta adaptativa às pressões ambientais foi muito mais exclusivamente cultural do que genética. À medida que se espalhava pelo globo, ele vestia peles nos climas frios e tangas (ou nada) nos climas quentes; não alterou seu modo inato de responder à temperatura ambiental. Fabricou armas para aumentar seus poderes predatórios herdados e cozinhou os alimentos para tornar alguns deles mais digestivos.”(P.34)

“O homem se tornou homem, continua a história, quando, tendo cruzado algum Rubicon mental, ele foi capaz de transmitir “conhecimento, crença, lei, moral, costume” (para citar os itens da definição clássica de cultura de Sir Edward Tylor) a seus descendentes e seus vizinhos através do aprendizado. Após esse momento mágico, o avanço dos hominídios de pendeu quase que inteiramente da acumulação cultural, do lento crescimento das práticas convencionais, e não da mudança orgânica física, como havia ocorrIdo em áreas passadas.” (P.34)

“O único problema é que tal momento não parece ter existido. Pelas estimativas recentes, a transição para um tipo de vida cultural demorou alguns milhões de anos até ser conseguida pelo gênero Homo. Assim retardado, isso envolveu não apenas uma ou um punhado de mudanças genéticas marginais, porém uma seqüência, longa, complexa e estreitamente ordenada.” ( P.34)

“Isso significa que a cultura, em vez de ser acrescentada, por assim dizer, a um animal acabado ou virtualmente acabado, foi um ingrediente, e um ingrediente essencial, na produção desse mesmo animal.” ( P.34)

“Entre o padrão cultural, o corpo e o cérebro foi criado um sistema de realimentação (feedback) positiva, no qual cada um modelava o progresso do outro, um sistema no qual a interação entre o uso crescente das ferramentas, a mudança da anatomia da mão e a representação expandida do polegar no córtex é apenas um dos exemplos mais gráficos. Submetendo-se ao governo de programas simbolicamente mediados para a produção de artefatos, organizando a vida social ou expressando emoções, o homem determinou, embora inconscientemente, os estágios culminantes do seu próprio destino biológico. Literalmente, embora inadvertidamente, ele próprio se criou.” (P.35)

“O que nos aconteceu na Era Glacial é que fomos obrigados a abandonar a regularidade e a precisão do controle genético detalhado sobre nossa conduta em favor da flexibilidade e adaptabilidade de um controle genético mais generalizado sobre ela, embora não menos real. Para obter a informação adicional necessária no sentido de agir, fomos forçados a depender cada vez mais de fontes culturais — o fundo acumulado de símbolos significantes. Tais símbolos são, portanto, não apenas simples expressões, instrumentalidade ou correlatos de nossa existência biológica, psicológica e social: eles são seus pré-requisitos. Sem os homens certamente não haveria cultura, mas, de forma semelhante e muito significativamente, sem cultura não haveria homens.” (P.36)

“Somando tudo isso, nós somos animais incompletos e inacabados que nos completamos e acabamos através da cultura — não através da cultura em geral, mas através de formas altamente particulares de cultura: dobuana e javanesa, Hopi e italiana, de classe alta e classe baixa, acadêmica e comercial. A grande capacidade de aprendizagem do homem, sua plasticidade, tem sido observada muitas vezes, mas o que é ainda mais crítico é sua extrema dependência de uma espécie de aprendizado: atingir conceitos, a apreensão e aplicação de sistemas específicos de significado simbólico.” (P.36)

“Conforme um autor mencionou com grande propriedade, vive mos num “hiato de informações”. Entre o que o nosso corpo nos diz e o que devemos saber a fim de funcionar, há um vácuo que nós mesmos devemos preencher, e nós o preenchemos com a informação (ou desinformação) fornecida pela nossa cultura.”( P.36)

“Entre os planos básicos para a nossa vida que os nossos genes estabelecem — a capacidade de falar ou de sorrir — e o comportamento preciso que de fato executamos — falar inglês num certo tom de voz, sorrir enigmaticamente numa delicada situação social — existe um conjunto complexo de símbolos significantes, sob cuja direção nós transformamos os primeiros no segundo, os planos básicos em atividade.” (P.36)

“Nossas idéias, nossos valores, nossos atos, até mesmo nossas emoções são, como nosso próprio sistema nervoso, produtos culturais — na verdade, produtos manufaturados a partir de tendências, capacidades e disposições com as quais nascemos, e, não obstante, manufaturados. Chartres é feita de pedra e vidro, mas não é apenas pedra e vidro, é uma catedral, e não somente uma catedral, mas uma catedral particular, construída num tempo particular por certos membros de uma sociedade particular. Para compreender o que isso significa, para perceber o que isso é exatamente, você precisa conhecer mais do que as propriedades genéricas da pedra e do vidro e bem mais do que é comum a todas as catedrais. Você precisa compreender também — e, em minha opinião, da forma mais crítica — os conceitos específicos das relações entre Deus, o homem e a arquitetura que ela incorpora, uma vez que foram eles que governaram a sua criação. Não é diferente com os homens: eles também, até o último deles, são artefatos culturais.” ( p.36)

“Quaisquer que sejam as diferenças que elas apresentam, as abordagens para a definição da natureza humana adotadas pelo iluminismo e pela antropologia clássica têm uma coisa em comum: ambas são basicamente tipológicas. Elas tentam construir uma imagem do homem como um modelo, um arquétipo, uma idéia platônica ou uma forma aristotélica, em relação à qual os homens reais — você, eu, Churchill, Hitler e o caçador de cabeças bornéu — não são mais que reflexos, distorções, aproximações.” (P.37)

“ Todavia, o sacrifício é tão desnecessário como inútil. Não há Oposição entre a compreensão teórica geral e a compreensão circunstancial, entre a visão sinóptica e a visão detalhista. Na verdade, é através do seu poder de tirar proposições gerais a partir de fenômenos particulares que uma teoria científica — aliás, a própria ciência — deve ser julgada. Se queremos descobrir quanto vale o homem, só poderemos descobri-lo naquilo que os homens são: e o que os homens são, acima de todas as outras coisas, é variado. É na compreensão dessa variedade — seu alcance, sua natureza, sua base e suas implicações — que chegaremos a construir um conceito da natureza humana que contenha ao mesmo tempo substância e verdade, mais do que uma sombra estatística e menos do que o sonho de um primitivista.” (P.37)

“E para chegar, finalmente, à razão do n título, é aqui que o conceito de cultura tem seu impacto no conceito de homem. Quando vista como um conjunto de mecanismos simbólicos para controle do comportamento, fontes de informação extra-somáticas, a cultura fornece o vínculo entre o que os homens são intrinsecamente capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam, um por um. Tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo e direção às nossas vidas.”(P.37)

“Resumindo, temos que descer aos detalhes, além das etiquetas enganadoras, além dos tipos metafísicos, além das similaridades vazias, para apreender corretamente o caráter essencial não apenas das várias culturas, mas também dos vários tipos de indivíduos dentro de cada cultura, se é que desejamos encontrar a humanidade face a face. Nessa área, o caminho para o geral, para as simplicidades reveladoras da ciência ,segue através de uma preocupação com o particular; o circunstancial, o concreto, mas uma preocupação organizada e dirigida em termos da espécie de análises teóricas sobre as quais toquei — as análises da evolução física, do funcionamento do sistema nervoso, da organização social, do processo psicológico, da padronização cultural e assim por diante — e, muito especialmente, em termos da influência mútua entre eles. Isso quer dizer que o caminho segue através de uma complexidade terrificante, como qualquer expedição genuína.” (P.38)

“Curvado sobre seus próprios fragmentos, pedras e plantas comuns, o antropólogo também medita sobre o verdadeiro e o insignificante, nele vislumbrando (ou pelo menos é o que pensa), fugaz e inseguramente, sua própria imagem desconcertante, mutável.” (P.39)







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