tag:blogger.com,1999:blog-40102026093854100572024-03-06T01:18:27.519-08:00O perplexo e o abissal: produções sobre o TempoMaikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.comBlogger14125tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-36288175386610915662010-03-28T15:18:00.000-07:002012-07-30T16:43:13.856-07:00Francis Bacon: a força intempestiva do tempo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifocUcmIHzbYqjQtKc6xuT47IV7DDQ0J-RCWwcRswW63ruGvlYiuaYpDuINND-CyiRXbxYOKFKEn_9J-Lrhi6oYq2o7Umwig459RdXNFI0hPb3WQcbiaY1v40F5JDvwiD5KN-E5EGlSpLR/s1600/francis_bacon_gallery_5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" nt="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifocUcmIHzbYqjQtKc6xuT47IV7DDQ0J-RCWwcRswW63ruGvlYiuaYpDuINND-CyiRXbxYOKFKEn_9J-Lrhi6oYq2o7Umwig459RdXNFI0hPb3WQcbiaY1v40F5JDvwiD5KN-E5EGlSpLR/s320/francis_bacon_gallery_5.jpg" /></a></div>
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
Francis Bacon ( 1909 - 1992) produziu nas suas telas um tempo enlouquecido, esquizofrênico,desfigurado e descentrado. Graças ao seu grande talento aliado a uma vida potencializada com experimentações de álcool e drogas, além da homossexualidade. Produziu uma nova arte através das tensões entre os corpos sociais, mentais e homoeróticos. Conseguiu, junto aos grandes mestres da pintura, tais como Gogh, Dali, Picasso e Pollock, a descentralização do real, introduzindo a categoria de imagem desfocada ou bifurcada - uma nova categoria de tempo: o tempo intempestivo.</div>
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Continuo...Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-12762487264078093062010-03-28T10:35:00.000-07:002010-03-28T10:35:25.261-07:00A filosofia e o cinema - para uma nova imagem do pensamento - Claudio ulpiano<div align="justify"><br />
</div><div style="text-align: center;"><strong>A filosofia e o cinema - para uma nova imagem do pensamento</strong> </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(...) [Este curso de Filosofia e Cinema] traz uma suposta presunção... e uma ilusão, - no sentido de que parece que a filosofia pode fazer uma reflexão sobre o cinema, que o cineasta não poderia fazer. Isso é absolutamente... incoerente. Não é isso que está se??? acontecendo??? É...</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Para se compreender o porquê dessa associação filosofia e cinema, eu vou começar o curso falando sobre como eu penso a filosofia... - ou melhor - como Deleuze pensa a filosofia.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">A filosofia seria um modo de pensar. Logo, se eu digo que a filosofia é um modo de pensar, eu estou supondo a existência de outros modos de pensar, que não os filosóficos. Mas isto aqui já entra numa certa crise, que eu retorno para explicar.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O que eu chamo de filosofia é a potência do pensamento de criar e inventar conceitos. Vou repetir: a filosofia seria alguma coisa inteiramente associada ao que eu estou chamando de pensamento e, nessa associação - pensamento e filosofia - o que ocorreria seria a invenção e a criação do que eu estou chamando de conceito.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Vamos melhorar isso daqui:)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O que é que eu estou chamando de conceito? Ou melhor - quem eu estou chamando de filósofo? Porque quando vocês abrirem ou... se vocês abrirem um livro acadêmico de história da filosofia, vocês vão encontrar uma carreira de determinados homens que, ao longo da história, são chamados de filósofos.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Mas, no momento em que eu digo que a filosofia é uma prática do pensamento que inventa e cria conceitos, - [e] não [afirmo] que a filosofia inventa e cria conceitos nesta ou naquela área - simplesmente que a filosofia inventa e cria conceitos... na hora em que eu me referir a um determinado pensador de cinema - pode ser, indiferentemente, Godard, Bazin, pouco importa! - o que esses pensadores de cinema fazem, continuamente, é inventar conceitos - eles estão continuamente inventando conceitos! Se vocês estudarem, por exemplo, a obra do Orson Welles, vocês vão encontrá-lo utilizando o conceito de profundidade de campo. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Logo, o que eu estou chamando de "invenção de conceitos" não pressupõe que [o conceito em questão] tenha sido [inventado] por um filósofo clássico. Qualquer tipo de pensador de cinema, mesmo [um] autor de filmes [como] o Orson Welles, o Goddard, o Tarkovsky, por exemplo - pouco importa qual seja - seriam inventores de conceitos.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, a invenção de conceitos seria a produção de alguma coisa - que é o conceito - com o qual nós vamos investir nas imagens que determinados autores inventaram. Eu estou dizendo, então, que se de um lado a filosofia se pretende inventora de conceitos, de outro lado o cinema se pretende inventor de imagens. E... é feita então essa associação. Mas o titulo deste curso - Filosofia e Cinema - parece que privilegia a filosofia. De modo nenhum! Seria cômico, seria ridículo, um cineasta esperar [a chegada] do filósofo para poder fazer o seu filme. Não tem nada a ver. [Há], inclusive, um enunciado do Deleuze em que ele diz - "imagine se um matemático, para constituir as suas questões, telefonasse para o filósofo: vou começar a pensar nos meus problemas, por favor, venha para minha casa". De modo nenhum!</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Essa associação que a filosofia faz com o cinema pressupõe... - agora já estou dando aula, (tá?) -...pressupõe uma nova imagem do pensamento. Então, o que eu estou constituindo com vocês é exatamente o que eu vou passar a chamar de uma nova imagem do pensamento. Ao dizer - uma nova imagem do pensamento - eu estou, nesse momento, me referindo ao fato de que existem determinadas imagens do pensamento que serão recusadas pelo meu trabalho. Eu não vou apontar para elas... porque isso aqui não é... Não importa neste instante! O que importa é que filosofia, dentro deste curso, quer dizer inventar e criar conceitos. (Tá?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">E a invenção... - o conceito de invenção...- pode imediatamente ser associado à arte - no sentido de que a arte é uma prática inventiva. (Certo?) Eu aqui não estou fazendo nenhuma avaliação da qualidade da invenção; dizendo, apenas, que o conceito de invenção se associa à prática artística, pouco importa qual... - plástica, musical - no sentido de que o artista é aquele que tem como função na vida ou como questão do seu modo de existência a produção e a invenção de determinadas obras. E, de outro lado, esse conceito de... essa noção de que a filosofia é invenção e criação - [o que] eu já associei com a arte - e, agora, associo com a matemática - no sentido de que a invenção e a criação de conceitos tem que ter a qualidade inventiva do artista e o rigor do matemático. (Certo?) Então, não é simplesmente...</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Claro que, depois, vocês poderão me perguntar - quais são os instrumentos que eu tenho para avaliar a qualidade da invenção e a força do rigor? Isso vai aparecer, mas, neste instante, o que eu posso afirmar é que o que estou chamando de filosofia é - rigorosamente - a invenção e a criação de conceitos. (Tá?) Conceitos estes que vão, imediatamente... imediatamente... se associar com a prática do cinema. Então, neste momento, a filosofia e o cinema não fazem uma relação hierárquica, [em que] a filosofia seria uma prática de reflex[ão] sobre o cinema. Não! A filosofia e o cinema fazem uma... conjugação; fazem uma... conexão. São como duas sombras que se tocam, sem que uma seja mais do que a outra, mas que, uma e outra, ressoem dentro de cada uma. (Certo?) Então, quando o filósofo faz [sua] marcha sobre o cinema, a vida [dele] está definitivamente atingida pelos movimentos, pelas linhas e pelas cores, pelas músicas - que o cinema produziu.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">E, de outra forma, quando o cineasta se envolve com a filosofia, jamais poderá deixar de conviver com a produção de conceitos. Então, é como se eu estivesse dizendo pra vocês que nós iniciamos essa aula constituindo uma epidemia - a epidemia da conjugação filosofia e cinema.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Bom... [n]estas três primeiras aulas, conforme está marcado aqui - até [a aula] número três - que seriam, então, terça, quarta e quinta... vai haver [de minha parte] uma flexibilidade. Essas três primeiras aulas vão ser fluídicas, no sentido de que se eu me mantiver dentro da constituição desses planos de uma maneira excessivamente rigorosa, eu prejudicarei a nossa composição. (Certo?) Então, eu vou começar aqui, nessa primeira [aula], de número 1 - que é Física e Semiótica, Movimento, Tempo Possível - mas poderei juntar a número 2 e a número 3. (Certo?) Porque, isso daí, seria... uma espécie de território que eu constituo para nós - não um território só para mim - um território móvel; ou melhor... eu vou fazer uma espécie de desterritorialização dos modos acadêmicos de pensar. Eu vou como que... jogar uma torrente... uma torrente - seja de palavras... uma torrente de imagens... - que faça uma quebra dos limites acadêmicos sobre os quais nós fomos constituídos.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Eu inicialmente vou chamar [essa prática]... - depois, se for necessário... ou se alguém solicitar... eu explico! - eu vou chamar [essa prática], de uma prática de desterritorialização. Mas quando eu uso esse nome - desterritorialização (não eu, é claro) - eu passei a entrar na prática da filosofia. Ou seja, acabou de ser inventado um conceito. (Entenderam?) O conceito começa a surgir - surgir... - qual o conceito que surgiu? Surgiu o conceito de desterritorialização. Por exemplo - se vocês forem ver um filme, como o Providence, do Resnais, necessariamente... necessariamente, se vocês não fizerem uma prática de desterritorialização dentro do modo ordinário e comum de assistirmos um filme, vocês não vão entender aquele filme.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, a desterritorialoização, o que eu estou chamando de desterritorialização, é nós fazermos juntos uma prática de quebra dos limites acadêmicos que a nossa educação constitui na nossa subjetividade. (Certo?) É como se eu começasse a processar um curso de cinema e simultaneamente armasse uma guerrilha contra o modo de subjetivar do século XX. O modo de subjetivar que é a produção de extratos ou de... espécies de quistos, espécies de endurecimento da maneira de pensar.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">[Portanto,] para pensar filosofia e cinema dentro dessa proposição - [de] que a filosofia seria invenção e criação de conceitos - se não fizermos [uma] desterritorialização, nada poderá ser feito. E essa desterritorialização vai começar [pelo] esquema que eu arranjei aqui - mas que de repente pode mudar: não tem nenhuma importância! - a partir do que eu chamei de... o que é a filosofia, (não é?) - eu expliquei o que é a filosofia.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Já falando no cinema, eu vou comecar, então, usando aquilo que necessariamente está no cinema - o movimento. O movimento aqui é muito fácil de ser pensado, é dizer... - o movimento das imagens. A gente compara a imagem do cinema e a imagem fotográfica... - a imagem do cinema tem movimento.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, o movimento... - o conceito de movimento, o conceito de imagem e o conceito de luz: esses três conceitos; então, essas três idéias... - a idéia de luz, a idéia de imagem e a idéia de movimento. E vou fazer... eu vou começar a dar a aula e - ao dar a aula - eu estarei simultaneamente fazendo uma experimentação. Essa experimentação está associada - vou inventar um conceito, aliás, não sou eu que estou inventando: foi Deleuze que inventou - está associada ao que vou chamar de nossos devenires - anotem: Devenires! Nossos devenires. De-ve-nires! Você encontra essa palavra, devenir, [no Aurélio]. Esse nome [não era] dicionarizado - só devir - mas hoje [devenir] já está dicionarizado.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Devenires... Nossos devenires... - "Nossos devenires" quer dizer o quê? - são processos... processos altamente estranhos que nós iremos fazer. Processos altamente estranhos... - e o conceito de estranho, que eu estou usando aqui, é um conceito de literatura... - quando em literatura se opõe estranhamento a hábito. Você lê, por exemplo, um conto acadêmico e nada ali te surpreende; ai você lê um conto, vamos dizer, do Jorge Luis Borges ou um conto do Henry James, aí você fica todo tomado por um estranhamento.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, o conceito de devenir quer dizer um agenciamento, uma composição (tinha que ter um microfone!) uma composição que nós vamos fazer, mas é uma composição inteiramente original. Se vocês quiserem ter, em termos de imagem, alguma experimentação nessa composição, [procurem], salvo equívoco, [o] canal 2... ou [o] canal 17 - eu não compreendo bem quais os canais que passam filmes sobre etologia.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Etologia é a ciência do comportamento animal... - Abelhas, vespas, tigres, morcegos, flores... - para vocês compreenderem e começarem a entender o que serão esses devenires que nós vamos fazer. Então, eu vou chamar [de] devenires (nós vamos usar esse nome...) - olha a criação do conceito, hem!.... Não é meu - é do Deleuze: eu sou apenas porta-voz! Então, o nome desse conceito é " núpcias contra-natura ", "núpcias contra-natura". Nós vamos fazer umas núpcias contra-natura. Quem fazia muitas núpcias contra-natura - olha o perigo, hem! - era o Marquês de Sade. (Risos...) Isso daí já anuncia essas núpcias contra-natura como alguma coisa terrivelmente perigosa. E... nós vamos começar então a fazer o trabalho do que eu chamei (não é?) - a entrada nos nossos devenires.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Em primeiro lugar, uma idéia, - a idéia de re - presentação. O que vocês têm que fazer, em primeiro lugar, é [ter uma] preocupação com o prefixo... (hem?) -... o prefixo re. Representação, quer dizer - estar presente outra vez - ou seja, reproduzir a sua presentidade. É alguma coisa que está presente e a sua presença é re produzida... reproduzida! Por exemplo, é... a minha presença num espelho:</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">A imagem que aparece no espelho é uma representação, no sentido de que ela desdobra a minha presença. (Certo?) Então, o que eu estou chamando de representação é - literalmente, rigorosamente, invariavelmente - o desdobramento de alguma coisa. Vejam, então, que a natureza é constituída de processos de representação a o s m o n t es! Os ecos... - quando eu digo: os ecos são representações, logo eu estou dizendo, da mesma forma, que a representação não é apenas um processo de imagem visual; também pode ser sonora. Agora... nós conhecemos perfeitamente as representações em termos visuais, ou seja - uma imagem no espelho, uma imagem na água, a sombra de uma nuvem na terra, ou... Narciso, olhando a sua imagem nas águas. (Certo?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, esse conceito de representação...</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">[Bom,] eu vou partir... para começarmos a trabalhar, e assim nós começamos a entrar na questão do cinema. Eu vou dizer que... se esse conceito cair com uma dificuldade extrema... ou vocês esperam um pouco...</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Bom! Eu vou precisar do microfone. É impossível dar essa aula assim, é impossível!) O que que eu estava dizendo?... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Alguém fala...)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Ah, sim. A representação... Eu vou partir da seguinte noção...- ela pode ser até um pouco falha, mas é um ponto de partida absolutamente necessário: o vivo, o ser vivo... - mas como as pessoas têm dificuldade em trabalhar com essa noção de ser vivo, eu vou fazer um corte ou um parêntese e falar - o homem. Ou seja, somente o homem... (certo?) Não estou dizendo o ser vivo - [mas] o homem.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O homem é um ser que tem a capacidade de representar as coisas que estão no mundo. O homem... é como se fosse um espelho sofisticado. Por exemplo [aponta um aluno]: eu olho para ele fecho os olhos e eu tenho a imagem dele diante de mim. Então, essa imagem que eu tenho, quando fecho os olhos... - porque nem é isso, isso é só para vocês compreenderem!... - quando eu olho para ele e fecho os olhos e emerge uma imagem em mim... essa imagem chama-se... re... - presentação - no sentido de que ele foi desdobrado, ele foi redobrado: ele está ali e está aqui, em mim também. Nós podemos usar uma noção, que é a invenção de um conceito - e esse conceito vai fortalecer-se na frente - sempre que alguma coisa for representada por mim... por exemplo: eu olho para C.... O ato de olhar para C. e apreendê-la... Apreendê-la - já é um processo de representação. Então, eu vou chamar a representação de fantasma sensível.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Por que fantasma sensível? Porque é evidente, é claro, que aquilo que eu apreendo... não é a própria coisa - é uma imagem da coisa. E se é uma imagem da coisa... é um?... - Al: fantasma! - É um fantasma! Fantasma, como se usa classicamente. É como se as coisas tivessem o poder de emitir fantasmas... - as coisas emitissem... -as coisas fossem como uma televisão, que estivesse constantemente emitindo imagens. E eu, então, apreenderia essa imagem e essa imagem se chamaria r e p r e s e n t a ç ã o.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Está bem? Quando vocês não concordarem, não aceitarem ou não entenderem, é só levantar o dedo... que eu retomo).</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Al.: ---?? --- que você repetisse... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Ainda não. Espera lá, (tá?) Se eu repetir agora... não dou conta - agüenta um pouco!</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O primeiro investimento da filosofia - esse investimento... [vai fazer com que vocês mergulh[em] agora em alguma coisa que vai quebrar o academicismo de vocês, ou não, no seguinte sentido: pelo que acabei de dizer, eu nunca poderei entrar em contato... - vou usar estes óculos como exemplo, -...eu nunca poderei entrar em contato com a imagem em si destes óculos. Eu nunca poderei entrar em contato com estes óculos presentes - eu só poderei ter a representação destes óculos. -Vocês conseguiram dar conta disso? - Ou seja: o sujeito humano... o sujeito humano... - agora eu vou precisar - anotem:</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O sujeito humano é dotado de uma prática chamada percepção. E esta prática - chamada percepção - ainda de uma maneira muito simplória, lhe permite fazer processos representativos. Então, todo sujeito humano, seja ele qual for, quando entra em contato com o mundo, faz um desdobramento - faz um processo de representação. Esse processo de representação, que é feito pelo sujeito humano, é que gera... - atenção novamente! Se for difícil, dedo levantado, tá? -...é esse processo de representação que gera um par teórico que tem, assim, um sucesso imenso na história do pensamento - gera o par sujeito e objeto.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O que é [esse par] sujeito e objeto? "Sujeito e objeto" é a presença de um elemento, desse par, que representa; e um elemento, desse par, que é representado. (Tá?) Se vocês quiserem ver alguma coisa sobre isso eu os aconselho a verem um quadro do Velázquez chamado As Meninas (Las niñas), [onde] vocês [verão esse processo] com uma certa clareza. Então, o par que constitui a representação é... sujeito... e objeto. (Entenderam?) O par que constitui a representação! Então, quando você tem o processo da representação, esse processo de representação gera dois elementos: o representante e o representado. (Tá?) Quer dizer: o representado é constituído pelo representante.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">[Ou seja:] eu estou dizendo que o objeto não é uma entidade que possa existir independente do sujeito. Da mesma forma que o sujeito não é uma entidade que possa existir independente do objeto. Então... sujeito e objeto chamam-se - elementos correlatos. [Quer dizer:] quando o sujeito entra em contato com o mundo... ao entrar em contato com o mundo, ele representa esse mundo... e essa representação, que ele faz - é exatamente a constituição de objetos. (É agora que vai começar a clarear... vai começar a clarear.)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Por exemplo, eu pego... (Deixa... eu vou tomar um café...)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Eu pego este copo... e [coloco] diante dele... - uma hipótese louca, hem? -...um homem, um cavalo, uma vaca, uma mosca e... uma cobra. [Eu coloco] o copo [diante] [d]essas quatro ou cinco espécies [de animais] diferentes, que eu citei, a fim de que eles passem a observar o mesmo objeto. Cada um desses seres vai fazer uma representação diferente deste copo, porque a representação - enunciado fundamental - a representação é sempre um efeito da função e do órgão daquele que está representando. Então, a representação é sempre um efeito das funções e órgãos do representante. (Vocês estão conseguindo acompanhar?) O que implica em dizer... que o mundo que eu vejo é uma projeção dos meus órgãos e das minhas funções. (Vocês entenderam?) É uma projeção dos meus órgãos e das minhas funções. E aqui é muito claro para se entender isso. Porque o vivo tem uma relação complexa e veloz com o mundo. E essa relação complexa e veloz com o mundo pressupõe uma percepção interessada e utilitária, para que o vivo possa dar uma resposta imediata. Por isso, ao perceber o mundo, ele percebe apenas aquilo que lhe interessa. Só.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Vocês entenderam?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O que eu acabei de dizer... - que toda percepção é interessada - tem que ser gravado. Não pode mais sair. Vai ser trabalhado nas próximas aulas: toda percepção é necessariamente interessada.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O que quer dizer - toda percepção é necessariamente interessada? Quer dizer que a percepção é uma conseqüência dos órgãos e das funções do órgão daquele que está percebendo. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Compreendido?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, o que implica em dizer aqui... é que quando aparece um percipiente - percipiente é aquele que percebe - na hora em que aparece um percipiente, o que ele faz ao perceber o mundo é apreender, do mundo, aquilo que é do seu interesse. Se ele apreende do mundo aquilo que é do seu interesse, significa que a percepção - enunciado poderoso, hem? - que a percepção é um ato de diminuição do mundo. Ela é um ato de diminuição, no sentido de que a função da percepção não é apreender o mundo na sua inteireza - mas apreender aquilo que é do seu interesse.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Por causa disso, eu vou colocar a percepção como interessada e diminuidora. Ela diminui. Prestem atenção nisso daí porque essa questão vai retornar muito forte no cinema do Pasolini... - (Viu?) Eu estou dizendo aqui, então, que a percepção... -... e, até mais do que isso - isso daqui é que vai centrar o modelo do Vertov, do cinema-olho. (Não sei se hoje tem alguma coisa...do Vertov, tem?) Bom... é o quê? Percepção interessada... interessada... Certo?... Como é que falei?... Diminuidora. Vocês entenderam diminuir? Não? Diminuir parece que é um negócio confuso...</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Eu queria explicar uma coisa para vocês - um conceito de filosofia - logo, uma invenção, (não é?) A palavra necessário... e a palavra contingente. Contingente quer dizer: pode ser. Necessário quer dizer: tem que ser.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, a percepção é interessada e diminuidora - necessariamente! Não quer dizer que se amanhã [aponta um aluno] ele, por exemplo, resolver ter uma percepção desinteressada, que ele vai conseguir. Não: é impossível! O ser da percepção, a essência da percepção é interessar-s e e diminuir, invariavelmente.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Al.: "Desculpe, eu não entendi o que quer dizer o conceito de necessário e contigente".</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Necessário, C., quer dizer... por exemplo... Vamos fazer uma hipótese necessária, uma hipótese... não filosófica - se um filósofo ouvisse isso iria sentir uma terrível dor nos ouvidos!... Mas vamos dizer que... que eu possa dizer isso. Por exemplo, [se alguém] bota a mão no fogo, necessariamente, [se] queima. Então, qualquer um que botar a mão no fogo, a mão... queimar. Isso chama-se necessário (tá?) Agora... se, por acaso... eu for numa cidade, numa cidade qualquer, é possível, - quem sabe? -, quem sabe é possível... que alguma pessoa dessa cidade goste de mim. Quer dizer, isso é uma prática inteiramente contingente. Ou melhor, é inteiramente contingente o fato de você estar com a mão aqui [coloca a mão em algum lugar]. Você poderia estar com essa mão... você poderia estar assim... [vai criando gestos com a mão]... Então, o contingente e o necessário... quer dizer, o contingente... pode ser assim; e o necessário... tem que ser assim. Anánke (??????) em grego. Tem que ser assim! (Tá?) </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Al.: Então, quando você diz que a percepção é interessada e destruidora.... é... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Necessariamente. Necessariamente.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, na hora em que um ser vivo - não é só o homem, isso não é antropológico, é ontológico - na hora que um ser vivo entrar em contato com o mundo, esse mundo, necessariamente é apreendido interessada e "diminuidamente", em função dos órgãos... do organismo e da função do organismo. (Tá?) Então, na verdade, todo ser vivo recorta o mundo segundo os seus órgãos e segundo as suas funções.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Agora - o que é isso exatamente? É [aí] que vem a beleza!... Agora a gente começa a abandonar os projetos fisiológicos e entrar na beleza.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O que quer dizer exatamente essa percepção interessada e diminuidora? Quer dizer que... há alguma coisa que a percepção está apreendendo que não é exatamente igual àquilo está [sendo apreendido]. E isso que não é exatamente igual àquilo que a percepção está apreendendo eu vou chamar de imagem em si. O que é imagem em si? A imagem em si e... a representação. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">A representação é sempre a representação de uma imagem no processo do interesse e da diminuição. E a imagem em si é... a imagem menos a percepção. A imagem em si é ela como ela é e não como é apreendida.(Tá?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, a filosofia - a filosofia que é uma espécie assim, de... - de quê? - de... Orson Welles: cheia de audácia!... - resolveu compreender o que é a imagem em si. Mas ela pode compreender o que é a imagem em si pela percepção? Pode?? Não, p orque pela percepção ela desfigura, ela recorta, ela produz interesse, ela produz a diminuição... Então, a única maneira de se poder entender a imagem em si... é pela prática do pensamento.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Vocês entenderam?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, vocês aqui começam a compreender o que é exatamente o pensamento. O pensamento é alguma coisa que só emerge forçado. Ele é forçado! Então, eu não consigo compreender o que é a imagem em si... - aí, o meu pensamento começa a despertar do seu sono eterno, do seu cansaço insuportável.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O que eu estou dizendo para vocês é que, por natureza, o homem jamais pensará! Jamais pensará! Nós não pensamos por natureza. Por natureza - nós somos preguiçosos e cansados. (Certo?) Ou seja, nós só pensamos quando alguma coisa que vem de fora... marca. Vamos inventar um conceito... - alguma coisa que vem de fora...- chama-se... encontro: acaso dos encontros - Aqui eu estou gerando um filósofo chamado Espinoza. O acaso dos encontros! Alguma coisa se encontra comigo e aquela coisa é tão forte, tão poderosa, que o meu pensamento desperta e quer invadir aquilo. E essa coisa poderosa - que invadiu - chama-se, agora, imagem.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O meu pensamento quer compreender, não o que é a imagem representada, mas o que é a imagem em si. (Tá?) Então, na hora que eu vou invadir o que é a imagem em si... já sei de alguma coisa: eu já sei que o processo da percepção ou o processo da representação é um processo que... diminui a imagem - porque é um processo interessado - e esse processo de diminuição... o meu pensamento descobre que o processo de percepção é um processo de isolamento - a percepção isola. Se eu for passar para o cinema... - a percepção enquadra.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">A percepção é o enquadramento: ela produz o enquadramento. E quando a gente produz o enquadramento, os limites desse enquadramento são sombreados, são sombras. Ou seja: você só apreende aquilo que for enquadrado! Isso vai me mostrar que a imagem, quando é enquadrada pelo processo da percepção, eu [a] retirei do seu real encadeamento. O que é que estou dizendo? Tudo o que existe na natureza, em si, independente da percepção, está encadeado com tudo que existe.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Vou repetir:)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">A natureza é um encadeamento em velocidade infinita. Ou seja, todas e quaisquer coisas que existem na natureza estão em comunicação com todas e quaisquer coisas - é como se a natureza fosse feita de uma luz de velocidade infinita... Então, tudo se encadeia com tudo. Tudo se encadeia com tudo. E isso daí é que vai ser cortado pelo processo da percepção - porque o processo da percepção faz um recorte nesse encadeamento. Esse recorte no encadeamento chama-se enquadramento. Se eu tirasse o recorte do enquadramento... eu teria a imagem em si. A imagem em si seria... o quê? Seria uma imagem que estaria em contato com todas as imagens.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: O que vocês acharam? Muito difícil? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª.: Achei contraditório... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Contraditório, não! Usa outro nome. Vamos lá: o que é? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª.: Não? Pode ser que eu não esteja usando o termo certo. Mas se você fo.. quer dizer, o pensamento é uma tentativa de ver de forma... de representar diferente... não seria? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: O pensamento? Não. O pensamento, não. O pensamento... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª.: Se você força... se entra em contato com alguma coisa e você é... é... forçado a pensar... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Forçado a pensar! </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª.: Forçado a pensar... Então, não seria uma outra re-presentação? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Não, não! Exatamente, não! Eu não comecei dizendo que o pensamento inventa e cria? Você já esqueceu!... Você já esqueceu o começo da aula... O pensamento não representa, ele inventa e cria. Você perdeu o começo da aula... O começo da aula foi....... Você já esqueceu... Esse pensamento é invenção e criação. A percepção é representação. É completamente diferente. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª.: "..."???? " </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Não senhora! Eu não disse que as pessoas pensam por natureza, eu não disse isso... Eu disse que o pensamento é forçado a aparecer, ele é forçado a aparecer! Por exemplo, deixa eu explicar para você: a pessoa, a pessoa... - vou usar esse conceito que você usou: a pessoa, a pessoa... ela só tem um poder: representar. Ou seja, agora... - é violentíssimo o que eu vou dizer - para você pensar, você tem que quebrar a pessoa. (É difícil, não é?) </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª.: É... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Você tem que romper com a pessoa. Por exemplo, se vocês estudarem um poeta português chamado Fernando Pessoa... Ó a contradição - aí tem uma contradição: Fernando Pessoa... Ele não criou uma figura chamada heterônimo? O heterônimo do Fernando Pessoa é a destruição da personalidade. Porque a personalidade - a pessoa, o sujeito pessoal que nós somos, a minha história pessoal, os meus amores, as minhas tristezas, as minhas alegrias, as minhas saudades, os meus projetos, é... os meus fantasmas, é... as minhas traições - fazem parte do sujeito que eu sou. Todos nós somos um sujeito, que carrega consigo uma biografi a, uma história pessoal, um passado, um futuro e um presente... Nós constituímos um modelo de tempo, e assim por diante. Esse sujeito pessoal, ele jamais poderá pensar. Jamais! Pensar não é uma propriedade do sujeito pessoal, não é uma propriedade dele. Porque ele só tem um poder. Qual é? R e p r e s e n t a r.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, para que você atinja o pensamento... Ou melhor, essa palavra está mal colocada, viu?... Mas eu coloquei para dizer - o que se tem a fazer é quebrar o poder que o sujeito pessoal exerce sobre a minha vida. Exemplo: novamente, Fernando Pessoa, exemplo melhor. O Fernando Pessoa se considerava um mártir da sociedade ou um mártir da humanidade. Por quê? Porque a experimentação que ele fazia para escrever os seus poemas era quebrar dentro dele o que se chama a personalidade - quebrar a pessoa. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alº.: Deixa só eu ver se estou entendendo... Com isso você está quebrando o conceito de Descartes - o penso, logo existo? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Completamente! Completamente! Só que... eu teria que ir muito longe pra atingir isso que você está dizendo... mas eu estou quebrando o conceito de Descartes: claro, claro! Essa tolice está sendo desfeita. (Tá?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Eu estou dizendo pra vocês... agora, com a pergunta que ela fez... Uma pergunta magnífica! Eu estou dizendo para vocês... Por exemplo - vamos pegar um autor, vamos pegar um autor do século XX, vamos pegar o... quem? Um bem conhecido... Henry Miller - todo mundo conhece, não é? O Henry Miller escreveu um livro sobre Rimbaud que se chama "O tempo dos assassinos". (É esse o titulo?) Tem em português, tem em português. É uma associação... é um devenir, é uma associação contra-natura. (Tá?) É um louco e um traficante ou... um ninfomaníaco e um traficante... Não, o traficante é o Rimbaud, e o ninfomaníaco ou o hetero-maníaco é o Henry Miller (não é?). Então, eles fazem uma associação... Nessa associação o que se quebra é a história pessoal... quebra-se a historia pessoal - que é um conceito ainda duro para vocês entenderem. Nós estamos começando a entrar nele - para poder emergir o pensamento. Porque o pensamento não é uma entidade que pertença ao sujeito Cláudio ou ao sujeito Renata... Ele não é uma entidade pertence[nte] a um sujeito enquanto tal. Vamos melhorar... O sujeito humano é constituído de uma série de faculdades. Por exemplo, vamos ver as faculdades que... três faculdades que nós temos... Tem mais, mas vamos ver três para vocês entenderem. Memória, é uma faculdade que nos permite recuperar...o quê? A memória... o que ela recupera? (Vozes...) Hem? ("Passado...") Antigos presentes! A memória não recupera o passado, não. Recupera antigos presentes! É isso que a memória recupera. (Tá?) Nós temos uma outra faculdade. Vamos ver outra: a inteligência. O que é a inteligência, exatamente? A inteligência é aquilo que ela pressupôs que eu tinha aniquilado, no momento em que ela disse que era contraditório o que eu tinha feito. A inteligência é aquela que tem horror à contradição. A inteligência é aquela que quer fazer organizações lógicas. Então, na nossa sociedade, por exemplo, a faculdade mais prestigiada, qual é? A inteligência! Essa é a mais... "Ele é inteligente!..." Ninguém diz: "Ele tem boa memória!..." (Risos...) Aí ele fica lá em cima porque a inteligência é uma faculdade de alto destaque no nosso mundo... - e a inteligência é um sistema lógico: Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal. - Mas se eu fizesse da inteligência o que ela disse, eu não diria Sócrates é mortal, eu diria - "As galinhas são verdes". Sócrates é mortal, então as galinhas são verdes. (Entendeu?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Agora, o pensamento não é sinônimo de inteligênci a. Então, é esse o movimento mais difícil - pensamento e inteligência não são a mesma coisa! E vocês vão conhecer no percurso da aula... porque a primeira complexidade do pensamento que eu dei para vocês foi a potência do pensamento de inventar e de criar... - então, vocês vão ver que pensamento e inteligência não são a mesma coisa. Por exemplo, ao pensamento nada impede que ele lide com aquilo que a inteligência detesta - por exemplo - a inteligência detesta os paradoxos; e o pensamento é apaixonado por eles.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O pensamento é apaixonado pelos paradoxos: "Um paradoxo?... Onde? " (Risos...) A inteligência: " Um paradoxo?... Manda a polícia!"</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, não estou identificando inteligência a pensamento. A inteligência é alguma coisa que pertence ao sujeito humano e que tem variação quantitativa. Por exemplo, eu tenho 32 de inteligência. É... O Bill Clinton... Não é Bill Clinton? Tem... 87... O presidente dos EEUU... - eu não sou presidente dos EEUU - tem mais inteligência do que eu.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Agora, o pensamento, não. O pensamento sequer pode ser avaliado quantitativamente. Então, o que eu estou dizendo... não é que a inteligência - que seria uma parte... (Atenção!)... uma parte... (Atenção!) Eu disse que a percepção é o processo representativo, não foi isso que eu disse? E agora... fecha: a inteligência é um dos membros mais ativos do congresso chamado percepção - a inteligência faz parte da percepção. Então, a inteligência somente... representa.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Ficou muito difícil? Choque, não é? Mas... é... o que vou fazer?... Tem x aulas... dez aulas, não é? Até lá a gente vê.)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, neste instante, o que eu estou chamando de pensamento,... o único processo... o único meio que eu vou ter com vocês, para vocês aceitarem o que eu vou dizer... é da seguinte forma - tudo o que for da c o n s c i ê n c i a - a palavra é difícil também...</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(virada de fita...)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">LADO B</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Fala...) </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Beleza... Eu nunca mais vou esquecer! Está vendo o que é o acaso dos encontros?...</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Eu falei em... pensamento... O que eu fiz... o que eu fiz, na pergunta dela - às vezes vocês pensam que eu sou agressivo... Eu nunca sou agressivo, nunca sou (tá?), nunca sou... em momento nenhum eu sou agressivo. Porque... é... é... eu posso ser tomado de uma tristeza e de uma alegria - agora eu vou falar como um filósofo do século XVII chamado Espinoza - uma tristeza e alegria não da percepção, não da consciência, mas uma tristeza e uma alegria do inconsciente, uma tristeza e uma alegria do pensamento... E essa tristeza e alegria do pensamento ou do inconsciente é - quando são cortados os devenires e os agenciamentos. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Al;: "Os devenires e os?..." </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Agenciamentos. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Al.: Agenciamentos?.. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Por exemplo, se nesse instante chegasse um ET e impedisse esse agenciamento rápido que nós dois estamos fazendo, você se sentiria imediatamente triste. Você entendeu? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Al.: Contingentemente? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Resposta: É...é... pode ser contingentemente... Eu acho que não, eu acho que é necessariamente, (não é?) </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Al.: Devenir é... é... um agenciamento? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Devenir... para entender, toma inicialmente como agenciamento,.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Bem... vamos voltar à questão do pensamento e da imagem em si. A imagem em si... a imagem em si... É... Agora eu vou mudar a hipótese de trabalho, pela dificuldade que vocês estão tendo. Vejam bem o que estou fazendo. Vejam bem! Nós estamos falando sobre cinema. E cinema é o lugar onde habita... a imagem. A imagem!</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Pergunta: E o movimento!?... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Resposta: E o movimento! (Certo?) Depois vocês vão ter conhecimento de uma outra coisa que habita a imagem. Essa outra coisa, que habita a imagem, chama-se - tempo. Então, imagem, movimento e tempo - são praticamente a mesma coisa.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O que eu estou dizendo pra vocês é que existe uma imagem representada. Isso é fácil! Neste instante, por exemplo, eu estou me lembrando de um aluno meu, de quem eu gosto muito, chamado Ls - a representação dele está dentro de mim. Mas, aí, alguém que conhece o Ls pergunta pra mim - então, existe um Ls em si? Eu direi: não, não. Por quê? Porque as representações são constituidoras da relação sujeito-objeto. Você faz cortes dentro da realidade. Você corta dentro da realidade. A natureza... (-) menos a representação - chama-se imagem em si.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, agora eu vou fazer o seguinte, vou fazer uma... - como se fosse uma ficção: vamos pensar a natureza antes da aparição do ser vivo. Eu posso fazer esse pensamento? Eu posso levantar essa idéia? Posso... levantar essa idéia da natureza antes do ser vivo. A natureza existia antes do ser vivo? Sim. Se ela existia, ela é uma... imagem - independente da representação que se faz dela. Então, a imagem em si é exatamente isso: a imagem em si é a natureza - independente do espelho, duma água que reflete ou de um sujeito humano que representa. É como ela é - nela mesma! </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">...Vamos outra vez:</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Vamos dizer que eu estou diante de um oceano - um oceano imenso. E o meu processo de representação me leva, quando eu [apreendo] o oceano, [a fazer] um recorte nele - eu só vejo um pedaço do oceano. Então, a representação me daria um pedaço do oceano - mas eu não apreenderia o oceano na sua inteireza. A natureza - menos a representação - é uma combinatória de blocos de luz!... Combinatória de blocos de luz! É como se fosse... tudo que existisse na natureza fosse constituído de luz... e essas luzes estivessem em comunicação permanente. (O que vocês acharam? Acharam muito difícil o que eu disse!?...) </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(É... [projeta] aqui uma imagem de... célul, de... de... neurônio! - não precisa apagar a luz, não, não é?... Tem que apagar, não é?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Deixem eu explicar uma coisa pra vocês:</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Nós... nós... temos um cérebro, (tá?) E o cérebro é constituído por um sistema celular, onde as células chamam-se neurônios, (tá?) Esses neurônios têm componentes, [sobre os quais] eu vou evitar de falar, para não trazer nenhuma complexidade. Então, os neurônios têm componentes. Eu vou chamar os componentes dos neurônios... eu vou usar apenas um componente: axônio, (tá?) Então, [aponta para a imagem na tela] aqui está um neurônio, aqui está outro neurônio e aqui está outro neurônio. O nosso cérebro é constituído de bilhões de neurônios, bilhões... que são células que não se... reproduzem - quer dizer, não há câncer de neurônio, (não é?) - elas não se reproduzem. Agora, quando eu recebo uma informação do mundo, quando a informação do mundo chega a mim, essa informação chega em forma de átomos de luz. Quando eu estou recebendo as informações do mundo, de vocês - são átomos de luz que estão entrando em mim. Ou seja: é uma quantidade imensa de luz que está entrando em mim - que eu estou recebendo do mundo. E o meu neurônio vai pegar essas luzes e vai começar a territorializar essas luzes, esses blocos de luz... Ele vai [constituir] pequenos territórios [com esses] blocos de luz. Mas ele vai ter a função de comunicar essa informação que recebeu - e isso numa velocidade assustadora! - comunicar essa comunicação que recebeu do exterior... ele vai comunicar para outro neurônio - para que todos os neurônios formem uma rede, (não é?) Formem uma rede!.. E essa rede neuronal de informação cai sobre você e você vai entender o processo que está se dando ali dentro.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, o que eu estou dizendo pra vocês é que aqui vai acontecer um processo, que os pensadores de cérebro só conseguiram compreender há pouco tempo - é que um neurônio e outro neurônio não têm contato entre [si]. Eles não têm contato, eles estão separados por uma... fenda. Há uma fenda entre os neurônios - essa fenda pode estar na base da psicose, esta fenda que está aqui pode estar na base da psicose. Porque nessa fenda - muito da luz que é mandada para aqui... esse neurônio recebe luz e vai passar essa luz para esse neurônio de cá - 99,9% da luz que esse neurônio passa para cá, cai nessa fenda. Então, ao cair nessa fenda... eu estou dizendo para vocês, que o nosso processo de conhecimento do mundo é infinitamente mais pobre do que aquilo que o mundo é. (Vocês entenderam?). Porque uma quantidade imensa de luz se perde... nós não conseguimos apreendê-la, ela se perde no que se chama fenda sináptica. Ela se perde nessa fenda.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Eu, hoje, vou tentar mostrar para vocês um filme do John Huston que é em cima de um romance do Malcolm Lowry chamado À sombra do vulcão - que é a história de uma personagem feita pelo Albert Finney, que, no filme se chama O Cônsul. Trabalha Jaqueline Bisset, tem outro personagem que não sei o nome... E... o Albert Finney é uma personagem que está vivendo intensamente essa dramaticidade. Qual dramaticidade? Ao invés de estar convivendo com os territórios neuronais, ele está envolvido com a fenda. Estar envolvido com a fenda quer dizer o quê? Ele está inundado de luz, ele está fazendo uma experiência...uma experiência que quebra a humanidade dele... (Vocês estão entendendo, ou está muito difícil?) Quebra a humanidade dele... e o sentido de quebra da humanidade quer dizer o quê? Quebra os limites funcionais e orgânicos dele. Ele mergulha no fundo da luz - ele mergulha na imagem em si. E esse mergulho vai levá-lo ao alcoolismo (Eu não vou explicar o problema de alcoolismo aqui, claro, não tem nada a ver...) (Tá?) Mas, o alcoolismo está muito ligado a isso. Então, eu estou criando pra vocês uma figura chamada fenda. Vocês podem usar fenda, fissura, crack up - usem o nome que vocês quiserem... Essa fenda é o momento em que nós saímos da organização funcional dos nossos órgãos, do organismo. E mergulhamos no inferno de luz que é a natureza. (Certo?) É como se quebrasse a nossa percepção... ela silenciasse e toda essa enormidade de luz, que é a natureza, começasse a bater em nós como se fosse uma ventania paradisíaca ou infernal.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Al.: Esquizofrenia?... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Seria uma esquizofrenia?... É possível, é possível que sim. Mas aí você já está começando a colocar a esquizofrenia como um devenir. Porque... no momento em que você quebra as dominações dos órgãos e das funções dos órgãos... - é o momento em que você entra nos devenires.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Os devenires então... fica muito difícil, (não é?) O que eu estou dizendo pra vocês é... é que o homem... o homem dentro da tradição teórica do ocidente - uma tradição teórica banhada pelos modelos religiosos - o homem é considerado como o achimé da... criação. Como o momento mais elevado da criação. E... isso não é verdade! O homem é uma passagem... - da mesma forma que uma lacraia é uma passagem, que uma formiga é passagem; da mesma forma que uma rosa é uma passagem. Não há nenhuma superioridade do homem [sobre] a rosa (Certo?) Cada um dentro da sua especificidade.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, o que eu estou dizendo para vocês é que a arte... a arte - no caso você tentou colocar a esquizofrenia - o que a arte tenta construir é a quebra da humanidade em nós. É quebrar o homem.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O que quer dizer quebrar o homem? Quer quebrar tudo aquilo que é constituído pelos órgãos e pelas funções. Que nos torna o homem normal, o homem médio. (Certo?) O homem médio é constituído por esses órgãos, é constituído pelas funções. Então, se o homem fizer o mergulho nessa fenda aqui, nessa fenda... é... ele está fazendo uma.... marcha para... a morte... Fazendo uma marcha para a morte. Mas não se assustem nem considerem horroroso, porque o organismo e a função dos órgãos também fazem uma marcha para a morte. (Tá?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alº: Essa luz que cai nessa fenda... - ela é perdida? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.:: Ela... ela... ela não é perdida porque ela não ganha, não é? Ela não tem o que ganhar... Você quer dizer, ela é perdida para o organismo!?... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alº.: É! </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Ah, perdida, completamente perdida!!! </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª::.....a fenda, você entra em contato com essa luz... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Se você entrar em contato com essa luz da fenda, você vai pirar, você vai enlouquecer! Vai enlouquecer! Porque ali... é como se você entrasse num mundo de uma televisão indefinida. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª: É como se fosse sobra de informações, assim?... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Não é sobra de informações, não é sobra de informações. Porque não é isso daqui... esta luz daqui, ela não é conseqüência - e a gente pode usar um pouco Paulinho Moska - ela é causa. Ela é a causa da natureza, é a causa da natureza. Cada organismo vivo se prepara para abocanhar um pouquinho dessa luz, (tá?) Cada organismo vivo vai apanhar um pouquinho. Não quer dizer que a mosca apanhe menos que o homem! De forma nenhuma! A mosca apanha um pedacinho... o outro apanha um pedacinho... Então, o artista - muita gente pensa isso - então vamos... ser artistas... adquirindo a percepção da mosca. Não! Vamos ser artistas destruindo a percepção do vivo. (Vocês entenderam?) E mergulhando nesse caos enlouquecido de luz. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª: A marcha para entrar na fenda é necessariamente pra a morte ou contingente? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Necessariamente... O que eu estou dizendo agora... é que eu estou incluindo, muito complexamente - não sei se vai dar para eu dizer mais isso nessa aula - eu estou associando a morte com o desejo, estou associando a morte com o desejo. Mas, atenção, porque é teu campo... - Eu não estou dizendo que a morte é objeto do desejo. A morte não é objeto do desejo - objeto... como fiz a distinção sujeito e objeto - mas a morte é componente do desejo. Componente do desejo. Foi uma resposta difícil... porque é a área dela - que é a Psiquiatria, (não é?) - Eu respondi dessa maneira.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Agora, o que eu estou dizendo para vocês é que esse... esse universo de luz que está aqui na fenda - eu chamei de fenda sináptica... isso daqui é o nome cerebral... (Certo?) - fenda sináptica. Mas vocês podem usar o nome fissura. Usem esse nome... fissura - esse nome vai retornar na nossa aula.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, a fissura... você só entra nela se você quebrar o poder do organismo e da função dos órgãos. Senão, você não entra! Então, o organismo e a função dos órgãos nos protegem do inferno de luz. (Vocês entenderam?) Eles nos protegem do inferno de luz. Então, estar vivo é pertencer a uma determinada espécie. Pertencer a uma determinada espécie é constituir uma espécie de proteção para você. Você constrói um sistema de proteção. Muralhas... O organismo é uma muralha - é uma função que você constrói para você. É como se esse mundo daqui fosse repousante e tranqüilizante - ele não é! Ele é um inferno de luz! Nós estamos mergulhados no inferno de luz - nós estamos mergulhados no caos... nós estamos mergulhados no caos. Mas, nós estamos sempre - atenção, esse enunciado é poderosíssimo - nós estamos crivando - crivar quer dizer peneirar! - estamos peneirando esse caos com as nossas funções e órgãos. Então, peneirar o caos com as funções e órgãos é personalizar o caos. (Vocês conseguiram ou ficou dificílimo?) Personalizar o caos... O que quer dizer isso? Você constrói um tipo de mundo... um tipo de mundo... segundo a personalidade.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª.: Quando você falou inconsciente, eu liguei à causa, não é isso? Você queria... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Pode... você pode falar... você pode dizer que o inconsciente é a força que mergulha nesse caos, mergulha nesse caos e vai fazer - vamos usar uma linda palavra latina? Vamos?... Não custa nada!... - vai fazer um cribatio... (se escreve com t i) vai fazer um cribacio... porque o pensamento vai fazer alguma coisa nesse caos - o que ele faz é construir novos mundos, ou seja: o pensamento nunca naufraga no caos porque, quando ele entra no caos, ele produz um diferencial. (Está muito difícil --- aqui?)(Certo?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Esse diferencial é exatamente aquilo que o Fernando Pessoa fez na obra dele. O heterônimo é uma obra do pensamento. Ele produz um diferencial, por exemplo... Eu vou repetir o meu mestre, o Deleuze! É... um diretor de cinema, dos mais magníficos, chamado Robert Bresson. Bresson... O Robert Bresson, no filme dele chamado Pickpoket, que vocês vão ver... vão ver pedaços aqui do Pickpoket, o Bresson constrói um espaço tátil. Um espaço tátil... Espaço é o quê? Espaço não é tátil, espaço é... outra coisa, é visual, é auditivo... Ele constrói um espaço... tátil. Construir um espaço tátil é mergulhar aqui e inventar alguma coisa ali dentro. (Vocês conseguiram entender? Não, C.? Não?...)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª.: Não entendi apenas a parte da fenda... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: A fenda, você não entendeu? Vou voltar, então. Vamos voltar à fenda.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Vamos voltar aqui... vou voltar a uma teoria atomista de um filósofo chamado Lucrécio, século I a.C. (que alguma coisa disso a C. conhece - que são os simulacros teológicos, eróticos e oníricos, tá?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Esse filósofo disse que a natureza é constituída - eu vou ser o mais lento possível, me detenham se eu for muito veloz, (tá?) - a natureza é constituída de duas coisas: vazio... vazio infinito - (prestem atenção: vazio não é sinônimo de nada. (Certo?) Vazio não é sinônimo de nada. Por exemplo, você de repente... você vai ver um filme de Antonioni e você entra em contato com o vazio! - vazio e átomos - são dois infinitos da natureza. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O á tomo, para esse filósofo, quer dizer - o elemento mínimo da natureza. Elemento esse que jamais, jamais poderá ser cortado. Então, o Lucrécio está dizendo que essa natureza é constituída de vazio e de elementos mínimos. A noção de elementos mínimos é muito difícil pra nós - porque nós achamos que a matéria pode ser cortada ao infinito. Ou seja: desde que você invente uma tecnologia muito poderosa você vai cortando a matéria. O Lucrécio diz, não. Chega a um ponto em que nenhuma tecnologia pode fazer mais nada - que chama átomo. E ele, [o átomo,] é o elemento chamado insecável. Insecável quer dizer - ele não pode ser destruído: é assim pela eternidade afora.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, a natureza é constituída de duas eternidades. Quais? O vazio e os átomos. Ambos infinitos, ambos infinitos. Tanto o vazio quanto o átomo são infinitos. (Tudo bem aqui?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª.: Então, quantos infinitos? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Dois. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª.: Dois, não é? O vazio e os átomos.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Esses átomos se propagam por esse vazio, eles se propagam por esse vazio - nesse momento não vamos discutir por quê, (tá?) - e quando eles se encontram eles formam mundos. O mundo é o encontro de átomos. Então, os átomos se encontram e o mundo se constitui. E o mundo se constitui... (Tá?) Então, o mundo está constituído de um conjunto de átomos. "Isso aqui" é um conjunto de átomos. Tudo é um conjunto de átomos,(tá?) Então, esse mundo está constituído! Aí, nesse mundo vão aparecer - eu agora vou botar uma coisa saltando... para vocês entenderem - aparece o ser vivo que é constituído de... átomos, átomos e... vazio, átomos e vazio! Se você pudesse me olhar com olhar microscópico, quantos vazios vocês veriam? (Vocês entenderam? Ou não, C.?...) Se você me olhar com olhar microscópico, eu não tenho essa solidez que está aqui, eu sou constituído de brechas. Essas brechas são as... fendas,(tá?) Então, cada organismo tem uma capacidade de apreender o mundo de uma maneira... Então, você vai ter a águia, tem o touro, tem o cavalo... cada um apreende o mundo da sua maneira. Mas, o mundo como ele é - é esse mundo que estava aqui agorinha mesmo... - o mundo como ele é... ou seja, os átomos em processo de velocidade infinita pelo vazio. Esses átomos em velocidade infinita pelo vazio...</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alº: Essas fendas, então, são... uma salvação, porque senão... As fendas são... a nossa salvação?... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.:: São a nossa salvação!!! Se não [fossem] essas fendas, nós nem existiríamos!... Não existiríamos! - Explodiríamos... explodiríamos!... Porque nós não somos capazes... Nós não temos muita diferença de uma máquina fotográfica. Se você botar uma máquina fotográfica com excesso de luz, ela explode! Se você jogar um excesso de luz em cima de mim e eu quiser apreender aquilo tudo, eu vou explodir! Essas fendas, elas são salvadoras! Mas no momento em que elas se salvam, nós as perdemos. E ao perdê-las, nós perdemos o caos, e ao perder o caos, nós perdemos a gênese da natureza. Numa linguagem sem Deus, ou melhor, sem religião - nós perdemos... Deus. Essa fenda ficou no lugar de Deus. É a força, é a gênese da natureza. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Ficou muito difícil aqui? Está melhorando?...)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">É como se nós... Eu estou mostrando pra vocês... provavelmente estou mostrando, ou acredito que esteja... - Quando eu disse "eu acredito" - depois eu vou explicar o que quer dizer "acredito", tá? - eu estou mostrando para vocês que... pensar nada tem a ver com as práticas banais que nós fazemos no dia-a-dia. Pensar é uma aventura, é uma viagem... - uma viagem que Samuel Beckett, por exemplo, fez no teatro; Harold Pinter ainda faz; Bob Wilson faz. Então, pensar pode aparecer em qualquer lugar - mas quando o pensamento está exercendo ou construindo as suas fendas de luz - quando o pensamento está produzindo isso - ele está imediatamente criando novos mundos, novas maneiras de viver, novas maneiras de sentir. (Certo?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O que a gente tem que começar a compreender nessa aula - porque ela não seguiu, (não é?) Quando a aula não segue não quer dizer que ela emperra. Quer dizer que ela não cresceu pelos lados - ela cresceu para cima e para baixo. É lindo quando uma coisa cresce para cima... e para baixo!... Porque quem cresce para os lados são os cristais. A vida é que cresce para cima e para baixo! Então, foi o que aconteceu com a nossa aula. A nossa aula... nós tivemos agora... nós estamos envolvidos pelo inferno de luz, a luz está... correndo em nós e nós estamos nos contorcendo diante dela.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Eu vou aconselhá-los a verem os auto-retratos - por favor, anotem - de um pintor chamado Egon Schiele. Eu vou fazer uma tese que ninguém fez - inteiramente minha - criada neste instante: os auto-retratos do Egon Schiele são convulsões, torsão, dores... porque o Egon Schiele está... vendo esta luz - está sendo tocado por ela.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Vou mais longe! Vocês conhecem Cézanne? Um francês caolho?... (Certo?) Ele dava um nome para essa luz... - um nome Lindo! - Caos irisado... Caos irisado! (Acho que o íris aí, em irisado, é com "s" por causa de íris, não é?) Caos irisado! [Há] um outro, chamado Paul Klee... que chamava essa luz - olha que loucura - de ponto cinza. Ponto cinza! Ou seja, todo artista - para fazer a sua arte - parece que está condenado a mergulhar nesse caos que está aí. Porque, senão, o que ele vai fazer são práticas representativas - para servir o patrão [dele]. Agora eu cito um diretor de cinema - vocês devem conhecer... - chama-se Losey - "O criado" (não é?). Um dos componentes principais [da obra] do Losey é mostrar o servilismo da humanidade. Servilismo, quer dizer o quê? Servilismo quer dizer: Ah! Os homens são servis, coitadinhos...? Não é nada disso, não! Servilismo quer dizer incapacidade e impotência de quebrar as funções e os órgãos. (Entenderam?) Ou seja...</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Al.: Incapacidade de pensar?... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Incapacidade de... Ah! O pensamento, como eu disse para vocês... nós temos uma ilusão de que o pensamento é uma coisa que funciona naturalmente. Ele não funciona naturalmente! O pensamento só funciona se baixar em cima dele uma força muito grande. Baixa aquela força violenta - e ele começa a sair. Aí quando ele...</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alª.: Estímulo, não é?</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Estímulo? Você usou estímulo?... Mas não é o estímulo do Skinner, (hem?). O estímulo do Skinner só movimenta ratos. São estímulos... - não sei se vocês entendem estímulos... ---?? -- rir se estivesse aqui. São estímulos... de infernos de luz. Vou dar um exemplo pra vocês: </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">É... Eu me chamo Swann e namoro uma menina chamada Odette de Crécy. E Odette de Crécy está de namoro com outros. (Certo?) Então, quando eu vejo Odette de Crécy namorando os outros, Odette de Crécy se transforma num signo para mim - que me chamo Swan. E esse signo - Odette de Crécy - me pega... e me força a pensar. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Ou seja, o ciúme é uma maneira de o pensamento aparecer. Eu não sei se vocês sabem... que o ciumento, quando está diante da ciumada ou do ciumado - sei lá que nome que eu vou dar - qualquer gesto que o ciumado tem, o ciumento pensa. (Vocês entenderam?) Então, é isso que estou chamando de pensamento.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Pensamento... é alguma coisa que só pode emergir se alguma coisa chegar, tocar... aí ele é forcado a pensar. Eu... Um filósofo do século V-IV a.C., inventor da filosofia - chamado Platão - disse que o homem só pensa quando ele se espanta... Quando ele se espanta! E eu vou dizer que estou de acordo. É espantoso saber que nós estamos envolvidos com isso. (Certo?) Saber que é espantoso que a nossa vida seja um mergulho direto n o caos... é um mergulho direto no caos e que nós procuramos... procuramos constituir uma espécie de... de solo, de garantia para nós, para não mergulharmos no caos. Na impressão.... de que é possível abrir um guarda-chuva para se proteger desse inferno de luz. Não adianta! Ele... ele fura o guarda-chuva.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">O que eu estou dizendo pra vocês é o seguinte (se vocês entenderam a minha aula até agora): eu não estou falando nada de pessimista para vocês ao dizer que nós estamos mergulhados nesse caos. O pessimismo é... pensar ou acreditar que nós podemos passar a nossa vida sem dar conta disso. Isso é que é.. - isso é que é a tolice.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Pergunta: O pensamento é mais ------??-----. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Resposta: Não sei... O que que vocês ach... o que que você achou de tudo que eu disse?</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Por exemplo, vocês sabem que a inteligência hoje foi desdobrada no... no computador. (Não é?...) Vocês sabem... inteligência artificial. (Não é?...) Então, essa inteligência artificial vai atingir níveis inacreditáveis. Nós vamos mandar uma espaçonave para... para o planeta do ET, que eu não sei nem o nome, vamos mandar uma espaçonave para o planeta do ET, essa espaçonave vai cheia de computador e vai contar toda a história que ocorre lá para nós, sem ninguém ir lá. Mas, jamais... jamais... um computador vai atingir os ilimites do pensamento. Porque entre pensamento e computador a diferença é de... natureza. (Entende?) E o pensamento - são exatamente as forças do inconsciente que produziram o computador.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Que horas são, hem? - São... quinze para as nove. - Que horas que eu termino... - nove, não é?) </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Bom... eu não fiz nenhuma projeção de filme para vocês. Certo? Esse... Posso fazer uma projeção? Pode? Eu vou pedir a eles que... está arrumado?) </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">É o seguinte: o filme é do John Huston - vocês conhecem o John Huston? Os grandes filmes dele foram sempre associados com grandes literatos. Por exemplo, o último filme que ele fez foi... um texto do James Joyce. Foi... Os Vivos e os Mortos</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Mas ele fez textos associados com Steven Crane - O Emblema rubro da Coragem Com Melville - Moby Dick. O John Huston é um... Foi ele que trabalhou naquele filme do Polansky, - China Town (Tá?) - [em que] ele era o pai da Faye Dunaway e, ao mesmo tempo, o... amante da Faye Dunaway. Pai e amante, (não é?) Então, o John Huston é o diretor desse filme... baseado num romance de Malcolm Lowry. L..o..w..r..y. (Tá?) [Há] dois atores [extraordinários nesse filme] - um é o Albert Finney, (não é?) - um magnífico ator, shakespeareano. Albert Finney e ela, de joelhos - é a Jaqueline Bisset, nos seus melhores momentos, (não é?) - é de uma beleza extraordinária, (viu?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, esse filme daqui vai passar da seguinte forma: questão - o John Huston entendeu o Malcolm Lowry? (Vocês entenderam a questão que eu [coloquei]?) O John Huston terá entendido o Malcolm Lowry? Será que John Huston sabia que o problema do personagem principal - do Albert Finney - era o problema do mergulho nessa luz? Mais ou menos... mais ou menos. Talvez soubesse...(Tá?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Então, a personagem é o Albert Finney. Ele é um consul inglês, não é? No México... Americano?... Inglês... No México, no México, ele está no México, no dia dos mortos, no 2 de novembro, lá, dia dos mortos...</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alº.: Agora, Cláudio, você diz que o Malcolm Lowry certamente sabia. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Ah! Meu deus do Céu. Se o Malcolm Lowry estivesse aqui certamente todo mundo aqui estaria de joelhos para ouvir ele falar. Ele entendia tudo disso! </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Al.: O John Huston --??-- </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: John Huston, eu não posso dizer que o John Huston tenha atingido esse nível altíssimo, mas... - é um brilhantíssimo diretor! Então, a gente vai ter que aceitar, (não é?) E aceitar com grandeza que o John Huston está dentro disso. Então, a personagem é permanentemente embriagada. Essa embriaguez não deu para contar por que é embriaguez, (tá?) - mas tem relação com o inferno de luz, com a fissura, ou com a fenda sináptica. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">[exibição do filme]</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Está lá. A sombra do vulcão... Volta, volta... Sg. Prende um pouco essa imagem aí, só para eles voltarem aí. Não... o título. Deixa eles gravarem aí...) </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Comentários...) </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Vai prender?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Tríptico, (tá?) T r í p t i c o. Tríptico. No sentido de que esses três personagens, na verdade, eles são um desdobrado em três. Eles são um desdobrado em três, viu? Porque um tríptico... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Você tem um tríptico aí, Sg? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Ele vai projetar um tríptico de um pintor do século XX, chamado Francis Bacon, recentemente morto. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Não tem outro, não? Hem? Mas esse aqui não dá idéia... O tríptico é uma mesma personagem, com uma variação qualquer. Isso que é o tríptico na pintura, é aqui não ficou... é uma personagem com uma variação qualquer. Que a pintura produz isso, a arte dela produz isso... A variação é uma personagem, mas é uma variação que não é uma variação de... personalidade. Vou utilizar agora uma... uma figura difícil, um pouco difícil, mas é uma variação de intensidade... uma variação de intensidade. Como se fossem três timbres de uma mesma música. (Certo?) Seria isso o que está acontecendo ali. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Agora, para encerrar essa aula de hoje... Al.: --?? -- a fenda. Cl.: O vulcão é fenda, é fenda, exatamente. Eu agora vou indicar um texto pra vocês... não sei se já vai dar para vocês lerem... O texto chama-se A porcelana e o vulcão - de Gilles Deleuze. Guardem o título para a gente ler... na frente.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">E agora eu vou [emitir] um enunciado muito poderoso, que... se o Bateson, por exemplo, estivesse aqui, eu teria que pedir licença para produzir. A... embriaguez - o alcoólatra tem um relação com o tempo. Vamos [colocar] assim - uma relação com o tempo. Eu vou ligar [essa questão] com a arte e com o cinema, (tá?). A relação do alcoólatra com o tempo é [de]... endurecimento do presente. É difícil explicar nesse momento, mas [anotem] que depois vocês vão entender... O alcoólatra endurece o presente. Endurecer, quer dizer... ele não quer deixar [o presente] passar.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Alº.: É congelar o presente? </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: É uma espécie de congelamento do presente. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Vamos ter que trabalhar nisso, (não é?), vamos ter que trabalhar... Vocês têm sempre que marcar essas questões porque na próxima aula, por exemplo, eu não vou poder voltar a [esse problema]... porque não tenho tempo. Mas vocês marquem e a gente volta... Eu vou tentar... [voltar].</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Na quinta feira, se isso for possível, eu dar uma aula mais longa para vocês juntando [as turmas]... Não sei se é possível fazer isso... (tá?) Para poder passar alguma coisa... senão não terei tempo para dar tudo o que é necessário para vocês aprenderem -como, por exemplo, [o que eu falei] agora [do] congelamento do presente... - ele usou congelamento, eu falei endurecimento.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Al.: Tem o mergulho também... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Usar mergulho, A, não é bom... não é bom... Você verá porque não... Mergulho é outra questão... Aqui é literalmente isso mesmo - endurecer o presente. Endurecer o presente, o que seria? Seria esquecer? É... uma espécie de esquecimento... uma espécie de esquecimento. Parece que é aquele que não quer se lembrar... endurece o presente para esquecer... - ele não quer se lembrar. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Al.:: Parece entrar numa outra dimensão... </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Cl.: Numa outra dimensão, exatamente! Vamos usar assim... (Tá?)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Meu nome é Cláudio Ulpiano, muito prazer!</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Palmas...)</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">(Esta aula faz parte de uma seqüência de dez aulas do curso de Filosofia e Cinema I realizado no Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho - mais conhecido como Castelinho do Flamengo - na esquina da Rua Dois de Dezembro com a Praia do Flamengo - onde o movimento intenso de automóveis e coletivos dificulta a compreensão de algumas palavras). </div><div align="justify"><br />
</div>Aula de 18/07/95<br />
<br />
Aula transcritas retirada do site: claudioulpiano.org.br <br />
<br />
<br />
<div align="justify"><br />
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</div>Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-5197502192868216232010-03-28T10:08:00.000-07:002010-03-28T10:08:45.056-07:00O nascimento do tempo: filosofia e cinema - Claudio Ulpiano<div style="text-align: center;"><strong>O nascimento do tempo </strong></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nas quatro aulas, até agora dadas, nós tratamos do movimento. E de duas maneiras: do movimento extenso ― que, por sinal, eu ainda não coloquei nada em termos de cinema, que seria o cinema realista; e do movimento intenso ― que foi a aula passada, [a aula da véspera], onde eu coloquei a imagem-afecção: o ícone de contorno, o ícone de traço e o espaço qualquer.</div><div style="text-align: justify;">E dificilmente a aula de hoje irá tocar diretamente no cinema. Porque o que vai ser feito ― e pela primeira vez neste curso ― é uma passagem do movimento para o tempo. Eu estou dizendo aqui que o trabalho de Deleuze sobre cinema são dois volumes: o primeiro chama-se Imagem-Movimento e o segundo, Imagem-Tempo. Então, até agora, dentro da rapidez impressa neste curso, eu só cuidei do movimento. Hoje, eu começo a falar sobre o tempo. Isto não quer dizer que eu não vá voltar ao problema do movimento. Então, se eu fosse classificar esta aula de hoje, eu a chamaria de uma “aula de filosofia” ― jamais de uma aula sobre cinema. Uma aula inteiramente sobre filosofia. E a questão desta aula é o TEMPO. (Tá?)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">É uma experimentação muito forte, que a gente vai fazer. E no que diz respeito ao entendimento do que vai ser colocado, em razão da exigüidade do tempo que eu tenho para dar a aula, se vocês quiserem podem fazer questões. Eu só aceito questões que estiverem inteiramente associadas àquilo que estiver sendo dado; [ou seja, se as questões forem pertinentes,] vocês podem fazê-las a qualquer momento.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O que nós vamos pensar ― pela primeira vez ― é o que estou chamando de tempo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Em primeiro lugar, nós todos conhecemos (atenção para a expressão, hein?) três dimensões do tempo: o passado, o presente e o futuro. O passado é uma dimensão do tempo. O futuro é uma dimensão do tempo.E o presente é também uma dimensão do tempo. Isto quer dizer que o tempo é (alguma coisa + as suas dimensões); ouapenas as suas dimensões. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Quando eu digo que o passado, o presente e o futuro são dimensões do tempo, eu estou dizendo que há “alguma coisa” chamada tempo que possui essas três dimensões. E que ele ― o tempo ― não é, necessariamente, nenhuma das três. É como se eu dissesse que a preposição de ― que eu utilizo quando digo “dimensão do tempo” (o presente é uma dimensão do tempo, o passado é uma dimensão do tempo e o futuro é uma dimensão do tempo) ― tem uma função de inerência: o presente, o passado e o futuro pertencem ao tempo. Isto quer dizer que as três dimensões não esgotariam o tempo: o tempo é alguma coisa a mais que as suas três dimensões. Esse é o ponto de partida ― ainda muito frágil e quebradiço ― desta aula.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A imagem que vem perdurando neste curso ― a tela do Turner ― aquela onde você não encontra nada pronto, você encontra como se fosse ― vamos ver se eu posso dizer assim ― gás dourado... </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A tela do Turner ― posso dizer isso? ― Gás dourado (não é?), um fluxo de ouro... (essa tela que ficou umas duas aulas aqui do meu lado, hoje não está...) A tela do Turner ― esse gás dourado, esse fluxo de ouro, eu vou chamar de FLUXO DO SENSÍVEL. (Atenção! Fluxo do sensível seria o que, na penúltima aula, eu chamei de PRIMEIRO SISTEMA DE IMAGEM. Seria o fluxo do sensível. Novamente, aquela imagem do Turner que ficou duas aulas aqui e que eu dizia que um intervalo apareceria no interior daquele fluxo sensível. Então, o ponto de partida desta aula é a identificação da natureza com essa idéia de fluxo do sensível. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">E vai aparecer agora um episodio dificílimo de entender nesta aula... mas que vai ter que passar ― vai ter que atravessar! É uma idéia poderosa que apareceu em filosofia, na Grécia, chamada CONTEMPLAÇÃO. Na verdade, essa idéia de contemplação é adotada pela filosofia, mas não é uma idéia originária na filosofia; sua origem é a religião ― e a filosofia adota essa idéia. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Contemplação quer dizer: um sujeito contemplando um objeto ― e uma distância entre eles: entre o sujeito e o objeto. E a filosofia nasce exatamente sob esse princípio: de que a natureza se constituiria de alguma coisa; e esta “alguma coisa” seria contemplada por “outra”. O que me importa aqui é que a idéia de contemplação nasce no MITO e é adotada pela FILOSOFIA. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Em grego, CONTEMPLAÇÃO quer dizer TEORIA. Então, quando a filosofia nasce, ela é dita contemplativa; logo, teórica. Essa noção de contemplação vai chegar aos séculos IV e V dC. Há um grupo de pensadores chamados neo-platônicos, cujo filósofo dominante se chama Plotino, que vai adotar essa idéia de contemplação. Ou seja, o que estou dizendo pra vocês é que a idéia de contemplação nasce nas práticas religiosas; é adotada pela filosofia; e essa idéia coloca a existência de dois pares separados um do outro por uma distância ― o sujeito e o objeto. Essa idéia vai ser adotada pela filosofia neo-platônica; mas, ao adotar essa idéia, o que a filosofia neo-platônica faz, em primeiro lugar, é retirar a distância existente entre sujeito e objeto. Ao retirar essa distância, sujeito e objeto se misturam ― e desaparecem. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A filosofia neo-platônica, portanto, introduz uma dificuldade terrível: porque ela mantém a idéia de contemplação ― e a idéia de contemplação originária é a de um sujeito e um objeto separados ― e coloca essa idéia de contemplação como a junção, o desaparecimento da distância entre sujeito e objeto. E quando a distância desaparece, sujeito e objeto se misturam; logo, desaparecem. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Eu vou explicar pra vocês!) </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Você pega uma semente de rosa, cava a terra e joga ali aquela semente, cobrindo-a com a terra. Se tudo correr bem, (não sei o tempo que isso vai levar,) vamos dizer daí a um ano, aparece uma roseira e, um tanto depois, as rosas começam a brotar. Evidentemente, o nascimento dessa roseira ― e, por conseqüência, o nascimento das rosas ― está associado, ou melhor, é um efeito da associação da semente com a terra. É a associação que a semente faz com a terra que vai permitir o nascimento da roseira. Não há nenhuma dificuldade de se entender o que eu estou dizendo! A partir desse entendimento, nós sabemos que a semente é causa da roseira; mas que a terra também é causa da roseira. Então, a roseira teria uma causa chamada semente; e uma causa chamada terra. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">― Por quê? </div><div style="text-align: justify;">Porque se você não jogar a semente de rosa, a roseira não nasce; logo, a semente é uma causa. Se você jogar a semente de rosa numa pia, por exemplo, a roseira não nasce; logo, a terra tambémé causa. São, portanto, duas causas ― a semente e a terra. Só que a semente, quando se mistura com a terra, não possui nenhum órgão ― mãos, braços, gruas, pás, ancinhos... ― pra trabalhar nela. Mas, quando a roseira nascer e as rosas aparecerem, essa roseira e essas rosas serão originárias na combinação da semente com a terra. Ou melhor, a semente transforma a terra ou a lama (a terra misturada com água) numa rosa de tecido aveludado, com perfume, com uma forma... Ou seja, a combinação da semente com a terra gera as rosas; e essa combinação chama-se contemplação― porque a semente não tem nenhum mecanismo de atividade! </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">― O que estou chamando de mecanismo de atividade? Meus braços, por exemplo, são mecanismos de atividade; a pinça de uma lagosta é um mecanismo de atividade. A semente nãotem nenhum poder de atividade! Por isso, eu estou lançando uma tese dificílima: que a semente da rosa contempla a terra e ― ao contemplar ― a rosa vai nascer. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Em filosofia, há uma idéia chamada SÍNTESE. A idéia de síntese quer dizer: juntar elementos que estão separados. Então, quando você tem dois elementos, um separado do outro, e esses elementos se juntam, se misturam, isso se chama síntese. SÍNTESE. A definição de síntese é a conjugação de dois elementos ― que estão separados. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Até agora, eu disse três coisas pra vocês: eu falei na rosa e na semente da rosa e no processo contemplativo que ela vai exercer; em seguida, eu falei o que vem a ser síntese ― a síntese é a junção de dois elementos que estão separados. Mas a primeira coisa que eu falei foi que a natureza é um fluxo sensível. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Então, a natureza é um fluxo que se repete eternamente: um “processo” (entre aspas, porque a palavra é mal aplicada) que está se repetindo. Então, vamos usar assim: se nós pudéssemos contemplar a natureza como ela é, o que nós veríamos seria um mecanismo de repetição. Assim... um[a espécie de] pisca-pisca. A natureza seria assim como alguma coisa que se acendesse e se apagasse; se acendesse e se apagasse... A natureza seria como... um céu estrelado; como pontos de luz que ganhariam a força máxima e depois decresceriam... Força máxima e decrescimento ― seria a natureza. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">E agora vai acontecer o mais difícil desta aula, mas que lá pelo meio dela começa a se acertar. Essa natureza ― que eu estou chamando de “repetição permanente de pontos que se acendem e se apagam” ― chama-se IMPRESSÕES. O que quer dizer isso? Se nós olharmos para o céu estrelado... veremos as estrelas piscando; piscando assim... o tempo todo, nesse ato de piscar. Então, a natureza seria uma repetição nesse modelo chamado pisca-pisca, que eu utilizei. E a noção de pisca-pisca (que é uma noção completamente idiota) quer dizer: a natureza se constitui por repetições... de instantes. Isso é um instante... aí fecha. Outro instante... fecha. Outro instante... fecha. A natureza seria um processo de repetição de instantes. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A palavra instante pretende ser a menorunidade de tempo ― como, no relógio, a menor unidade de tempo é o segundo. Então, quando eu uso instante― é uma palavra abstrata que significa: a menor unidade de tempo. Então, a natureza se constituiria por um contínuo passar de instantes: aparece um instante, o instante desaparece; aparece outro instante, desaparece; aparece outro, desaparece. O que quer dizer que a natureza jamais conhecerá dois instantes conjugados. Será sempre um instante; o outro instante só aparece quando o primeiro desaparecer. Isso se chama (eu vou usar um nome um pouco forçado) HETEROGENEIDADE DE EXTINÇÃO: um instante tem que se extinguir, para que outro instante possa aparecer! Então, o que estou dizendo pra vocês é que a natureza é constituída por repetições de instantes. (Tá?)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Agora, essa “repetição de instantes” chama-se repetição das impressões ― as impressões se repetem! Por exemplo: se vocês olharem para a minha camisa, ela é marrom. Agora, se por acaso vocês olharem pra minha camisa, virem o marrom da minha camisa e, em seguida, fecharem os olhos... Quando vocês fecharem os olhos, vocês terão uma imagem do marrom ― podem experimentar! Essa filosofia, que eu estou explicando pra vocês, vai dizer que a imagem do marrom e a impressão do marrom diferem uma da outra por força― a impressão é forte; e a imagem é fraca.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Então, vamos repetir:)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Eu olho para o vermelho deste gravador aqui; fecho os olhos ― e faço a imagem deste vermelho. Essa imagem [que eu faço] do vermelho é o próprio vermelho enfraquecido. Essa distinção de impressão forte para impressão fraca gera a noção de que “a natureza” é constituída de impressões fortes. Mas ― se por acaso aparecer alguma coisa para contemplar essa natureza (caso apareça um contemplador; senão, não!) ― vão nascer as impressões fracas. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Vou voltar!) </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A natureza são impressões fortes. Supondo o aparecimento de alguma coisa que contemple essa natureza ― um espírito que contemple! Quando esse espírito contemplar, o que vai aparecer no espírito são as imagens, as impressões enfraquecidas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Vamos voltar?)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A idéia, que estou passando, é que “a natureza é constituída de impressões fortes”, mais a suposição do surgimento de algo que possa contemplar a natureza. Esse algo ― que vai contemplar a natureza ― vai tornar as impressões fracas. Ou melhor, não é esse algo que torna as impressões fracas; as impressões têm dois modos de existência: forte e fraca. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Aluno: A impressão fraca é uma representação?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Claudio: Olha... usa: dá certo chamar de representação ― é uma representação da impressão forte! Mas, na verdade, não é uma representação da impressão forte ― ela é a própria impressão; mas, enfraquecida. (Vê se entendeu.) Na verdade só existe um elemento: a impressão... forte e fraca.</div><div style="text-align: justify;">Al.: Uma pergunta: quando você fala em corte aí, que espécie de corte é esse?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Forte! Não é corte, é forte... com f. Por exemplo, eu vou repetir pra você entender: </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Você pega este extintor de incêndio. Olha como ele é vermelho! Se tivesse uma claridade maior, então, você veria a força do vermelho. Agora, fecha os olhos e faz a imagem do extintor: o vermelho está enfraquecido! O vermelho que você faz por imagem não tem a mesma força do vermelho ali[percebido]. Então, não é uma representação ― é a mesmaimpressão, com dois graus de intensidade diferentes. </div><div style="text-align: justify;">Alº.: Por que dois graus e não três?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Porque são dois! Porque não pode haver três. Poderia haver três da seguinte maneira: aqui está a natureza ― então, a impressão forte; e aqui está o espírito que contempla. Na hora que esse espírito contempla essa impressão, a impressão no espírito é fraca. Só haveria três, se atrás desse espírito houvesse outro espírito que enfraquecesse ainda mais essa impressão. Mas não! </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Por exemplo, vamos tornar mais fácil para você entender: </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Você vai para um lugar lá perto de Macaé chamado Conceição de Macabú. Você vai pra Conceição de Macabú em janeiro, ao meio-dia. Aí você sente o calor de Conceição de Macabú ― provavelmente 55 graus. Ai você sente aquele calor... Depois você viaja... vai para os Estados Unidos, para Nova Iorque, na primavera. Aí, você vai se lembrar do calor de Conceição. Na hora em que você se lembra, o calor lembrado é mais fraco que o calor sentido. É isso. Então, a presença do espírito faz com que a impressão enfraqueça. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Mas pra que precisa do espírito? ---??---</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Não, meu filho, não é isso não. É para explicar o fato... Se você quiser dar outro nome você pode dar... É pra você compreender o fato de, na natureza, nós experenciarmos... Na nossa vida, nós experimentamos um vermelho forte ― que está no mundo; e um vermelho fraco ― que está na nossa imaginação. Isso é uma experiência que a gente faz! Então, como nós fazemos essa experiência de um vermelho forte no mundo e um vermelho enfraquecido na nossa imaginação, isso significa que as impressões têm duas intensidades. A impressão é forte forado espírito ou da imaginação; e fraca dentro da imaginação. </div><div style="text-align: justify;">(fim de fita)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">LADO B</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Eu vou continuar!)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O que estou marcando é a existência de dois tipos de intensidade. O fato de ter duas intensidades permite ao filósofo fazer a idéia de uma imaginação! A imaginação seria exatamente o lugar onde essa intensidade teria menos força. Ela, a intensidade, teria menos força dentro do espírito. E essa intensidade menos forte, essa impressão mais fraca ― alguns filósofos chamam de idéia; outros chamam de imagem. Então, é muito fácil compreender isso: a intensidade fraca pressupõe a imaginação (aí, provavelmente, a dificuldade que ele está tendo, que é uma dificuldade evidente...). Pressupõe a imaginação! E a imaginação, então, é a presença de alguma coisa que torna as impressões fracas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Vamos ver outra vez, vamos ver outra vez:)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O que nós chamamos de imaginação... Ou seja, se você estudar psicologia, se você fizer uma análise do que é a imaginação, você vai ver que a imaginação é uma conjugação de imagens. É isso o que nós chamamos imaginação. Ou seja, a imaginação pressupõe uma cadeia de imagens. E nós achamos que essa cadeia de imagens ― que aparece na nossa imaginação ― é produzida, por exemplo, pela nossa vontade. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Eu agora vou imaginar uma xícara ― e nessa xícara eu vou colocar um bigode e um olho, e fazer um rosto. Então, eu dirigi a minha imaginação para ela produzir um conjunto de imagens ― nós supomos que a imaginação regula a cadeia de imagens. Quando você supõe que alguma coisa no homem regula um determinado processo ― essa coisa no homem chama-se FACULDADE. Então, quando você tem um conjunto de imagens e supõe que esse conjunto de imagens tem um encadeamento determinado pelo que eu chamei de imaginação ― a imaginação passa a ser uma faculdade. A faculdade é aquilo que regula a passagem de alguma coisa. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Então, as imagens se dão na nossa imaginação, vão se combinando e nós supomos justamente que quem dirige a combinação dessas imagens é uma faculdade chamada imaginação. Mas ― em nós, humanos ― existe um processo que está exatamente entre o sono e a vigília: é o momento em que nós não estamos nem plenamente dormindo nem plenamente acordados; momento em que aparece uma cadeia de imagens, cuja combinação nós não somos responsáveis. Isso se chama HIPNAGOGIA. </div><div style="text-align: justify;">A hipnagogia é quando está se dando uma cadeia de imagens ― imagens estão se combinando ― mas a nossa imaginação não está regendo aquele encadeamento ― a cadeia de imagens se processa independentemente da nossa imaginação. O que estou dizendo pra vocês é que a imaginação ― conforme está sendo pensada neste momento ― não é uma faculdade: ela é apenas o lugar onde uma cadeia de imagens se dá ― cadeia de imagens que se processa sem que ninguém dirija a sua combinação. Ou seja, essa teoria, que estou passando pra vocês, chama de “espírito” alguma coisa que não tem nenhuma força, nenhumpoder, mas onde se dá um processo de encadeamento de imagens; sendo que ― quem faz essas imagens se reunirem não é a imaginação: são as próprias imagens. Então, a imaginação seria um conjunto de fotografias semálbum, a imaginação seria peças de teatro sem teatro. Ou seja, a imaginação seria o conjunto de imagens, sem nada que viesse regular a cadeia que essas imagens fazem.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Como se fosse um filme que ainda não está montado!?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: É... É um filme que não está montado, em que os fotogramas podem mudar à vontade, mas em que a mudança dos fotogramas não é determinada pela imaginação. A mudança se dá pelo próprio poder das imagens: elas que vão mudando.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Claudio, ---?-- existe uma concepção de montar imagem...? Ou seja, existe uma harmonia pré-estabelecida, uma concepção da montagem do encadeamento das imagens?</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Não. Isso é o que chamei de hipnagogia. A hipnagogia é uma cadeia de imagens onde você não encontra um sujeito que organiza, determinando a passagem daquelas imagens. Essas imagens não têm um sujeito ― elas se combinam livremente, livremente... Então, aqui começa a aparecer a idéia mais difícil: o fato de a imaginação ser o lugar onde as imagens estão, mas a imaginação não ser uma faculdade ― ela não tem nenhum poder sobre essas imagens. No entanto, essas imagens vão constituir a imaginação. Por isso, como estou colocando pra vocês, a imaginação ― que é uma cadeia onde qualquer imagem pode se misturar com qualquer imagem, sem que essa mistura seja determinada por alguma faculdade ― é uma combinação livre e delirante. O que significa que o espírito é um... delírio. O espírito é um delírio!!! </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Al.: O quê?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Delírio! Delírio no sentido de que essas imagens vão se combinando umas com as outras ― sem que haja nenhuma ordem, nenhuma lei, nenhuma regra organizando essas imagens. Elas vão se combinando livremente.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alª.: ----?---Cl.: É... Mas acho que a gente nem devia usar esse nome já. A gente vai usar aqui o fato de que uma cadeia de imagens, quando se processa, traz uma coisa muito original ― que é a liberdade da combinação. Não há regra; não há lei ― tudo pode se misturar com tudo. Parece muito com um filme do Vertov.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: No caso da hipnagogia ----- importante não apenas a ordem com que essas imagens se apresentam, mas também a capacidade de interpretar essas imagens.</div><div style="text-align: justify;"><br />
Cl.: Não, não. Não estou me importando... De forma nenhuma! Nada disso! Não tem a menor importância isso que você disse! A única coisa que importa é pegar o modelo da hipnagogia e você saber que as imagens podem fazer combinações... qualquer combinação ― nenhuma combinação é proibida! Não há lei, não há regra governando a combinação das imagens. Quando você diz isso ― e identifica esse processo de imagens ao espírito, você tem que dizer que o espírito é um delírio. O espírito é um delírio, no sentido de que essas imagens vão se combinando uma com a outra, sem nenhuma lei. Então, não posso concordar com o que você disse, porque ainda não tem um sujeito que possa interpretar. Não tem nada disso. Você só tem as imagens se misturando umas com as outras.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alª: Até porque, quando tem o sujeito, elas vão ser colocadas em ordem!? </div><div style="text-align: justify;">Cl.: Vão ser colocadas em ordem! Aí que elas vão [ser] o que ele falou: causa e efeito..., etc.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alª.: Mas nessa hora elas também elas perdem autonomia, não é?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Aí elas perdem a autonomia.</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Quer dizer que o sujeito então é sempre um sujeito racional e consciente</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Olha... Não é sempre racional e consciente. É um sujeito que tem certa lógica. Ele tem uma lógica! Não necessariamente consciente. A lógica que ele tem, já puxando aqui..., a lógica dele é jogar três princípios em cima dessas imagens: causa e efeito, semelhança e continuidade. A partir daí as imagens passam a ter uma regra― mas só posteriormente. O que me importa agora é que elas não têm nenhuma regra, elas se combinam no processo mais delirante possível.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Aleatório...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Aleatório, inteiramente aleatório! Sem regras, sem leis, sem nenhum princípio.</div><div style="text-align: justify;">Mas aconteceu aqui uma coisa interessante. Uma coisa interessante... e diferente, porque no momento em que eu digo que essas imagens podem se combinar uma com a outra, indiferentemente, significa que as imagens têm uma diferença para as impressões. Porque as impressões são assim, ó [Claudio faz um gesto...] e as imagens se interpenetram. (Vejam se entenderam!) Nasce uma idéia de interpenetração ou uma idéia de fusão. Vou usar interpenetração! Quer dizer, as impressões fracas fazem aparecer a combinação livre das imagens e elas começam a se interpenetrar. É à interpenetração das imagens que eu vou chamar de SÍNTESE. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Como é que as imagens se interpenetram?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: É só você... Eu vou mostrar pra você. Você fecha os olhos... </div><div style="text-align: justify;">Alº.: Você usa imagem-imaginação. Você usa a palavra processo da imaginação e usa o substantivo imagem, como produto, não é? Então, --- o paradoxo em termos de processo e produto- ----, não é?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Tá. É que as imagens... Se você fechar os olhos... Imagina assim uma xícara. Agora coloca o rosto do Sarney na xícara. (Colocou? É só fechar os olhos... e colocar.) Isso significa interpenetraçãodas imagens. </div><div style="text-align: justify;">As imagens se interpenetram ― não por causa da imaginação ― mas por causa delas: é uma propriedade das imagens se interpenetrarem! Ora, se é uma propriedade das imagens se interpenetrarem ― elas se interpenetram uma na outra ― as imagens se diferem das impressões. Porque as impressões não se interpenetram. Elas são uma heterogeneidade de extinção. Aparece uma impressão, desaparece. Aparece outra. Aparece uma impressão, desaparece. Aparece, desaparece. Nas imagens, não. Nas imagens há a interpenetração. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Como é que vocês acharam... essa distinção? Eu não tenho nenhuma pressa, nenhuma pressa!)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alª.: A única coisa que eu queria sentir é se elas se interpenetram... Elas se escolhem?!</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Não, não! Elas se interpenetram livremente, livremente, ao acaso, ao acaso... </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Eu já vou melhorar isso daqui a pouco...)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: A relação de interpenetração de imagens e idéias...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Aqui você pode dizer que é a mesma coisa: interpenetração de imagens ou interpenetração de idéias, como sendo a mesma coisa.</div><div style="text-align: justify;">Alº.: A ---- Sarney é sempre uma idéia...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Uma idéia ou... uma imagem. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alª: A imagem pressupõe o observador? </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Sim. A imagem pressupõe um observador. Mas eu estou admitindo a hipótese da hipnagogia... E a hipnagogia não pressupõe o observador! (Vê se entendeu...) O observador pode ser pensado de duas maneiras: um observador que, ao observar, não altera o que está observando; e um observador que, ao observar, altera o que está observando. No caso da imaginação, a imaginação não altera o mecanismo da imagem. </div><div style="text-align: justify;">― Qual é o mecanismo da imagem? O mecanismo dela é interpenetrar.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Mas o observador, quando observa alguma coisa, ele observa sob certo ponto de vista, não é verdade?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: É.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alª.: Como no quadro do Dali?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Não... não... não. Não é como nos quadros do Dali, não. Não, senhora!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº: O observador, nesse caso, não é sujeito </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Olha lá! É isso o que euestou dizendo toda hora! O observador não é um sujeito: o observador é apenas um lugar; um lugar... onde essas imagens estão se interpenetrando.</div><div style="text-align: justify;">Alº.: ---uma cultura, uma ----, uma religião, é um sujeito puro???</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Não... Não tem sujeito. Aqui tem as imagens, elas vão se interpenetrando ― porque é da natureza das próprias imagens se interpenetrarem; elas se interpenetram por elas mesmas. Quer ver uma coisa? </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: ---- (in)dependente da cultura ou da linguagem as pessoas ---</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Isso é que vai... Ninguém consegue, nenhuma pessoa consegue! Isso que vai constituir a pessoa: a pessoa vem depois!</div><div style="text-align: justify;">Alº.: ---?-- </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: (Presta atenção!) Você pega uma imagem de cavalo. Agora pega uma imagem de águia. Arranca as asas da águia e coloca no cavalo ― isso é um cavalo alado! (É fácil, é a maior tranqüilidade: no mesmo instante você faz isso, porque as imagens se combinam livremente. Qualquer tipo de imagem pode se misturar com qualquer tipo de imagem: não há nada que proíba a interpenetração das imagens. (Certo?) Então é delas: não é da imaginação. É das imagens... a interpenetração é da natureza das imagens... É da própria natureza das imagens a interpenetração.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº².: No caso das imagens em movimento numa projeção de cinema. Aquelas imagens, na verdade... [são] uma associação de fotogramas. Elas estão em movimento. Esse movimento só existe no espectador. ----do espectador. Então, esse movimento é uma propriedade não daquelas imagens ― que não estão na verdade em movimento; mas sim, do espectador.</div><div style="text-align: justify;"><br />
Cl.: É, você pode usar isso ― desde que você torne os fotogramas a impressão da natureza e, o que o espectador observa, a imaginação. Não sei se você entendeu?</div><div style="text-align: justify;">Alº².: Mas nesse caso, mesmo que ele fosse um observador, ele estaria impondo, não uma certa ordem...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Assim você está se confundindo, porque você está querendo se confundir... É a coisa mais simples o que estou dizendo: as imagens se interpenetram por natureza delas. Não é um sujeito que faz isso.</div><div style="text-align: justify;">Alº².: Não, mas eu não estou falando de um sujeito, eu estou falando de um receptor.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: O receptor, ele... não há receptor!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Porque...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Presta atenção! O que importa é que você tem dois tipos de impressão: uma impressão forte e uma fraca. A impressão forte é uma heterogeneidade de extinção. Aparece uma impressão; para que outra possa aparecer, é preciso que a primeira desapareça. É assim... assim que funciona! Agora, a imagem é a própria impressão com a propriedade de se interpenetrar ― é essa a diferença principal. A impressão é assim: é um processo de extinção ― e é isso que se chama instante. Aparece uma impressão, desaparece; aparece outra, desaparece; aparece outra. A imagem pega essas impressões e interpenetra. Ela interpenetra as impressões!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº².: Como? Como se esses instantes... como se...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: São os poderes da natureza: eu não sei por que acontece!</div><div style="text-align: justify;">Alº².: É como se os instantes, no primeiro caso, fossem moldes e no segundo, modulações.</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Não... assim você ainda perde! Porque a impressão é a mesma; é a mesma, com duas maneiras de funcionar: uma, na heterogeneidade de extinção; e a outra na interpenetração. Ela interpenetra... Você pode fazer o seguinte, isso é muito fácil: você pega... Quer ver uma coisa? Você olha para estes óculos e olha para esta garrafa. Aqui está esta garrafa e aqui [do lado] estão estes óculos. Se você transformá-los em imagem... você interpenetra um no outro. Você joga esses óculos para dentro desta garrafa com a maior facilidade. Agora, quem está fazendo, quem está dando esse poder à imagem não é a imaginação, esse poder é da própria imagem. É ela que tem esse poder! São as imagens que têm o poder de se interpenetrar; não as impressões. Ou melhor: as impressões fortes não se interpenetram, as impressões fracas se interpenetram. Então, essa interpenetração das imagens chama-se CONTRAÇÃO. Ou seja:</div><div style="text-align: justify;">― O que quer dizer contrair? Contrair é juntar! As imagens são contraídas; as impressões são separadas. Então, você teria a contração das imagens ― a contração é o processo da interpenetração; e você teria a repetição das impressões. Eu vou chamar essa repetição das impressões de REPETIÇÃO FÍSICA. </div><div style="text-align: justify;">― O que é repetição física? São as repetições que se dão eternamente assim: aparece uma; para outra aparecer, a primeira tem que desaparecer. A categoria filosófica exata a ser usada é MENS MOMENTANEA. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">―O que é a mens momentanea? Aparece a impressão... desaparece. Aparece a impressão... desaparece. Aparece a impressão... desaparece.</div><div style="text-align: justify;">Agora, essa impressão ― enfraquecida ― se torna imagem; e começa a se interpenetrar. A interpenetração é o que estou chamando de contração. Para haver contração ― eis o momento mais difícil! ― é necessário que haja uma contemplação. (Isso eu vou tentar dar na próxima aula, pra vocês entenderem). Onde há contração, há contemplação. (Ficou muito difícil?) E à contração e à contemplação ― esses dois nomes JUNTOS ― eu vou chamar de... ESPÍRITO. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">― O que é o espírito? O espírito é contemplação e contração. A noção de espírito não é uma noção de ordem religiosa. Ele é um mecanismo que contrai ao contemplar. O ato de contemplar é simultâneo ao ato de contrair. Não há uma contemplação e depois uma contração. Ao contemplar, o espírito contrai. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">― O que faz o espírito que contrai? Ele junta o que na natureza está separado. Como? (É muito fácil, eu vou explicar pra vocês:) eu me deito em casa e coloco, ao meu lado, um relógio ligado. O relógio trabalha fazendo: tic-tac, tic-tac. O tic só aparece, quando o tac desaparece. E o tac só aparece quando o tic desaparece. E você fica ouvindo tic-tac, tic-tac... um, separado do outro; ou seja: INSTANTES HETEROGÊNEOS DE EXTINÇÃO. Mas o meu espírito, quando ouve tic-tac, tic-tac, tic-tac... e aquilo vai se repetindo... após muitas repetições do tic-tac, o meu espírito, quando ouve o tic, não espera o tac aparecer: ele antecipa ― dentro dele ― o tac. (Vocês entenderam?) O espírito antecipa. Ele não espera o surgimento do tac. Eu antecipo o surgimento daquilo dentro do meu espírito. Essa antecipação faz com que o tic e o tac, [ou os instantes] que na natureza estão separados, dentro do meu espírito estejam juntos. </div><div style="text-align: justify;">(Agora, vamos juntos!)</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Em outras palavras, evita a extinção?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Ele evita a extinção, ele junta um instante com outro instante... Na natureza, os dois instantes estão separados pela eternidade... A eternidade os separa: porque nenhum instante pode aparecer junto com outro instante ― cada instante aparece separado do outro... Aí o espírito “vê” o instante; o que ele faz? Ele guarda aquele instante, retém, segura aquele instante e ― em vez de esperar o outro aparecer ― ele o antecipa: [antecipa o instante seguinte]. Retendo um e antecipando o outro, ele faz uma síntese dos dois instantes: os dois instantes ― dentro dele ― estão juntos. E no momento em que ele faz isso, uma coisa surpreendente vai acontecer: </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Vocês me perguntem!) </div><div style="text-align: justify;">No interior do espírito dois instantes se interpenetraram, dois instantes se juntaram. Nesse momento, em que dois instantes se juntam, nasce uma EXTENSÃO. Porque, quando você só tem um instante, você não tem extensão; agora, quando dois instantes se juntam, nasce uma extensão. Essa extensão chama-se DURAÇÃO, ou seja: O TEMPO nasce no espírito. </div><div style="text-align: justify;">― O que é o tempo? O tempo é a conjugação de dois instantes. Na natureza, esses dois instantes são INSTANTES DE EXTINÇÃO. (Agora vai começar a ficar mais difícil... e, ao mesmo tempo, mais fácil!). Na natureza ― os instantes se extinguem; eles não passam. Nenhum instante passa! Agora, quando o espírito observa, e guarda o instante e antecipa o outro ― ele junta os dois. Na hora em que ele junta os dois ― o primeiro instante torna-se o passado do segundo instante; e o segundo instante torna-se o futuro do primeiro instante. E a junção dos dois... é o presente. Ou seja: a contemplação e a contração inventam o TEMPO. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Essa contração, em filosofia ― nessa filosofia que estou apresentando pra vocês ― chama-se HÁBITO. Então, nós temos o hábito de entender a palavra “hábito” equivocadamente. Hábito quer dizer contrair. Contrair é juntar alguma coisa que estava separadada outra. Então, o espírito faz uma prática de SÍNTESE ― só síntese: ele junta um instante que está separado [do outro]. Ele junta ― dentro dele ― os dois instantes. Ou seja: ele joga a interpenetração nos dois: ele junta os dois. Isso se chama síntese. Mas essa síntese não é feita pelo espírito ― é feita pelas próprias imagens ― por isso chama-se PASSIVA.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O NASCIMENTO DO TEMPO não pressupõe um sujeito ― pressupõe o espírito; mas não o sujeito. E o tempo nasce pela SÍNTESE PASSIVA. </div><div style="text-align: justify;">― O que é a síntese passiva? É a junção dos dois elementos que na natureza estão separados ― e no espírito se juntam. Aí, a junção é uma síntese ― mas essa síntese é passiva. Por que ‘passiva’? Porque não há nenhum sujeito pra fazer essa síntese. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Isso que estou falando pra vocês é a idéia, a primeira IDÉIA DE TEMPO. A primeira idéia de tempo é que o tempo não se explica pela natureza ― porque a natureza é uma repetição de instantes separados. E o espírito é a conjugação desses instantes. Portanto, o tempo é SUBJETIVO ― mas uma subjetividade sem sujeito.</div><div style="text-align: justify;"><br />
(Agora vocês podem me perguntar, porque eu encerrei essa fase: é uma subjetividade sem sujeito.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº: Você falou em extensão e --?-- movimento de extensão. Eu tenho a impressão que essas duas coisas são diferentes.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Não. O que eu chamei de extensão... (Deixe-me eu explicar, você vai entender claramente!). É o seguinte: quando você tem os instantes na natureza, esses instantes não duram. Durar... </div><div style="text-align: justify;">(fim de fita)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Parte 2</div><div style="text-align: justify;">[...]</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Isso aqui é difícil:) </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A paramnésia gera as duas dimensões ― o presente e o passado. O presente e o passado aparecem simultaneamente. Mas na hora em que se trata de presente e passado simultâneos (e eu estou dizendo presente e passado; não estou dizendo presente e presente; nem estou dizendo passado e passado: estou dizendo presente e passado!),significa que, entre uma dimensão e outra, há uma diferença. Então, há uma diferença entre os dois [entre o passado e o presente]. Essa diferença é a intensidade: a diferença entre as dimensões do tempo. A diferença é o que se chama INTENSIDADE. (Momento difícil!)</div><div style="text-align: justify;">Alª.: Isso está --?---- simultâneo</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Simultâneo! Porque o que está acontecendo aqui, é que eu coloquei duas coisas pra vocês, e ― evidentemente ― isso não ficou muito claro! Quando eu falei na contração ou na síntese passiva do hábito, eu mostrei que o espírito é diferente da natureza ― porque no mundo da natureza é repetição de instantes; e no do espírito é interpenetração de imagens. Então, eu disse que o espírito que contempla não modifica a natureza, mas modifica a si próprio. Isso é de uma originalidade extraordinária, porque o ato de contemplar não produz modificação na natureza, mas modifica o contemplador. O contemplador se modifica: esse é o primeiro processo do tempo. </div><div style="text-align: justify;">O primeiro processo do tempo é essa modificação na contemplação; aparece a interpenetração das imagens ― e é isso exatamente que vai ser a primeira síntese do tempo; e, em seguida, o Bergson vai dizer que essa maneira de pensar o tempo não é suficiente. Considerou-a insuficiente. É aí que ele aplica essa noção de paramnésia! (E agora eu vou melhorar pra vocês entenderem o que está se passando aqui.) </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Os suecos, os russos, alguns americanos experimentais ― ao fazerem cinema ― procuraram produzir personagens que não tivessem um esquema sensório-motor perfeito. James Stewart em Janela Indiscreta, por exemplo, tem as duas pernas quebradas. Tendo as duas pernas quebradas, ele não pode agir. Não podendo agir, ele apenas contempla. Então, o nascimento do tempo ― no cinema ― pressupõe a quebra do esquema sensório-motor, por dentro.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Você quebra o esquema sensório motor; vamos ver um exemplo: você pega um homem normal... O homem normal percebe o mundo, tem afecção, e reage àquilo que percebeu. Então, o esquema sensório-motor é perceber, afetar e agir ― é isso o esquema sensório-motor.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Mas agora você pega, por exemplo, uma pessoa agonizante; uma pessoa que esteja morrendo. Essa pessoa percebe o mundo, tem afecção do mundo, mas não tem forças para devolver. Ela não tem forças para reagir. Então, o cinema começou a fazer experimentações em agonizantes, por exemplo. Na hora em que o cinema começa a experimentar o agonizante, o cinema vai abandonar o movimento como seu centro. Por quê? Porque um homem que tem seu esquema sensório-motor perfeito, na hora em que ele recebe um movimento, de imediato, ele devolve o movimento. Agora, se você pega um agonizante ― ele não pode devolver movimento; aí, ele não reage, ele não age. Aquilo que ele recebe do mundo, para na afecção, para no meio; não se prolonga numa reação. Então, para você passar do cinema-movimento para o cinema-tempo, o que tem que acontecer é a quebra do esquema sensório-motor. Quebrar o esquema sensório-motor!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">― Como é que o Hitchcock faz isso? Quem viu Janela Indiscreta? O que faz Hitchcock em Janela Indiscreta? Quebra as duas pernas do James Stewart. E o James Stewart não pode mais fazer, o quê? Reagir. Ele não pode mais reagir: ele só pode contemplar. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Naquele outro filme ― Um Corpo que cai ―o que o Hitchcock faz? Ainda no James Stewart, ele coloca uma acrofobia?Medo da altura? Ele coloca uma acrofobia no James Stewart ― que, então, não pode mais agir. Então, a passagem do cinema movimento (eu acho que está perfeito,P--!) para o cinema tempo pressupõe a quebra do esquema sensório-motor. </div><div style="text-align: justify;">Al.: Quando você deu o exemplo do Turner, também pressupõe essa quebra ― até ele chegar naquela última tela que você expôs? Foi o exemplo que você deu, o exemplo do Turner... que primeiro pintava aquelas marinhas, depois ele foi... É o mesmo exemplo?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Ah, sim; sem dúvida! É a mesma coisa! Um artista... Vamos dizer: eu percebo o mundo. No meu ato de perceber o mundo, necessariamente esse mundo (que eu percebo), não pode ser novo pra mim! Porque se você tiver um ser vivo que percebe um mundo inteiramente novo, esse ser vivo vai morrer. Ele não vai saber reagir a esse mundo. Por isso, quando eu percebo o mundo, quando qualquer ser vivo percebe o mundo, o ato de perceber não é o ato de conhecer ― é um ato de reconhecer. É um ato de reconhecimento. É assim que funciona o esquema sensório-motor: ele reconhece o mundo. Ele está sempre reconhecendo o mundo, para ele poder agir nele.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Agora, no momento em que eu sou um agonizante, eu percebo o mundo. Percebo-o. Aí, essa percepção me afeta ― a percepção produz um afeto. Essa afecção, que eu tive, não pode devolver nenhum movimento, nenhum movimento, eu não posso devolver nada! Então, no momento em que eu percebo esse mundo ― e o mundo chega até mim, na afecção, em vez da afecção se prolongar numa resposta, numa reação, a afecção volta para a percepção. E ao invés de ficar com a percepção, a afecção mergulha no próprio tempo: o agonizante volta para a sua história pessoal. Ao invés de fazer alguma coisa, ele volta para o tempo. É como se fosse alguém que tivesse morrendo afogado e que a história toda dele passasse ali, naquele momento. Na hora em que o afogado já não pode mais reagir ― ele não tem mais como reagir! ― o que acontece com ele? O passado começa a aparecer pra ele. O que significa que o esquema sensório-motor foi quebrado ― porque o esquema sensório-motor implica uma reação. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Então o primeiro modelo do cinema, que eu estou passando pra vocês, é que o cinema-tempo e o cinema-movimento se diferem no esquema sensório-motor. Ou seja: o esquema sensório-motor do Gary Cooper num western, do John Wayne num western, do Clint Eastwood num western tem que ser altamente perfeito; senão, eles morrem!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Agora, a experimentação de colocar dentro da imagem ― dentro da imagem ― não mais o MOVIMENTO, mas o TEMPO, nós vamos tomar como modelo, porque todo mundo viu dois filmes, principalmente o Janela Indiscreta, do Hitchcock. Porque quando o Hitchcock quebra as duas pernas do James Stewart, o que ele retira dele é a capacidade de reagir: o James Stewart não pode mais reagir! Não podendo mais reagir, ele só pode PERCEBER. Então, ele deixa de ser actante, para se tornar percipiente. Ele não age mais; ele passa a perceber. Ele se torna um ‘olhador’ da casa dos outros, fica olhando pra casa dos outros... (Tá?) </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Mas o James Stewart ainda não passou para o Tempo! Não basta quebrar duas pernas para entrar no tempo ― quebrar as duas pernas impede a reação. A entrada no tempo ainda não é isso; mas, é o ponto de partida. Só se pode entrar no tempo, se o esquema sensório-motor for quebrado por dentro ― fendido por dentro. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Então, eu estou dizendo pra vocês que o modelo do cinema-movimento é exatamente PERCEPÇÃO, AFECÇÃO, REAÇÃO. Esse é o modelo que você tem no cinema, e o modelo que você tem na vida. O cinema tentou conquistar o tempo. Tentou! Ou seja: tentar conquistar o tempo é quebrar a potência reativa do ser vivo. Abandonar a potência reativa do ser vivo. Ou seja: eu percebo o mundo, e aquilo que eu percebo para na minha afecção. Para na afecção. (Vocês entenderam aqui?) Para! Não se prolonga na ação. Mas quando cai na afecção, a afecção é um pequeno intervalo. PEQUENO INTERVALO. Esse pequeno intervalo está preenchido por afetos, porque esses afetos são para ― conhecendo como é o meu corpo ― eu saber que espécie de movimento eu vou devolver ao mundo. Então, são os afetos que me dizem: devolva os afetos dessa maneira: Corra! Coma! Fuja! Beije! Mate! São os afetos que estão me dizendo. Mas no momento em que eu não tenho mais a possibilidade de reagir ao que eu percebi ― os afetos desaparecem. E, no lugar deles, entra ― exatamente ― a FORÇA DO TEMPO. </div><div style="text-align: justify;">(Vejam bem, vou repetir:)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Os afetos têm uma função no nosso corpo: a função de nos dar o conhecimento do nosso próprio corpo. Conhecendo o seu próprio corpo, você estabelece a maneira como você vai reagir a uma determinada percepção que você teve. Mas como você não pode mais reagir, os afetos já não têm mais nenhum valor. Porque a função deles é ― devolver movimento. No momento em que eles não valem mais nada, esse vazio vai ser preenchido por outra força ― a FORÇA DO TEMPO. </div><div style="text-align: justify;">Alª.: Cidadão Kane seria um exemplo? </div><div style="text-align: justify;">Cl.: Sim. Cidadão Kane é um exemplo!</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Do tempo?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Do tempo!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Vamos tentar aqui, não é difícil o que eu estou dizendo.) A experiência do James Stewart em Janela Indiscreta é a melhor pra vocês entenderem: não há pra que, nesse filme, o James Stewart conhecer o corpo dele, porque [ele não pode agir;] ele não pode fazer nada; não tem nada a fazer! Um bonito exemplo é quando o Tim Roth leva um tiro na barriga, em Cães de aluguel e que ele não pode se mover... </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Vocês acham que foi bem aqui?)...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Uma dúvida: essa imobilização pode ser psicológica? Por exemplo, em Morte em Veneza onde o Achenbach também estava impedido de qualquer ação em direção àquele amor dele. Era uma coisa contemplativa... não é?</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Não é exatamente isso; mas vamos dizer que seja!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: A pergunta é por aí...</div><div style="text-align: justify;"><br />
Cl.: O Visconti é um cineasta do tempo! Portanto, ele vai abandonar o esquema sensório-motor; não vai mais trabalhar com os processos de reação. Eu agora vou usar uma linguagem do Rimbaud, um pouco diferente. Eu disse que em Janela Indiscreta o James Stewart deixa de ser...? O que eu disse?</div><div style="text-align: justify;"><br />
Alª.: Actante.</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Deixa de ser actante, para se tornar percipiente, está certo? Mas, quando nós entramos no tempo, não é um percipiente que entra no lugar de um actante ― mas o que Rimbaud chama de VIDENTE. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Vai surgir o cinema da vidência ― em substituição ao cinema do actante. Vai surgir uma literatura do vidente... e desaparecer a literatura do actante. (O Robbe-Grillet está vindo aí, [ele vai falar na UFRJ!]) Ou seja: na literatura realista, a personagem age, a personagem reage. Quando você quebra o esquema sensório-motor, aquele pequeno intervalo já não tem mais nenhuma função. (Ainda não dá para explicar pra vocês...mas que eu vou apenas citaro nome...) É esse o momento do surgimento do que eu vou chamar de CRISTAL DE TEMPO.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Eu obtive êxito nesta aula? Vocês acham que eu obtive êxito? Então, o que eu quero que vocês [guardem] é o problema do esquema sensório-motor. Agora eu vou dar um pequeno exemplo pra vocês:)</div><div style="text-align: justify;"><br />
Vocês pegam um ator do faroeste, um ator do Hitchcock e um ator do Visconti. A maneira de interpretação [de cada um deles] é completamente diferente. É completamente diferente! Ou seja: quando você sai do processo do esquema sensório-motor ou do processo em que o ator é um actante, ele é um actante no cinema realista; quando você passa para o cinema tempo, ele deixa de ser actante pra ser vidente, o processo de interpretação é inteiramente novo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Isso se processou no Visconti, com o Burt Lancaster, não é?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Ele ter sabido fazer isso, não é? É isso que você está dizendo?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: É ------?---- com a maior facilidade...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: É, ele conseguiu passar, em dois filmes do Visconti, ele conseguiu passar... Porque ele levou a vida dele toda sendo actante, pra trabalhar no cinema de Hollywood ― no cinema modelo Stanilawsky, modelo Actor’s Studio... Quando ele vai trabalhar com o Visconti, ele deixa de ser actante, pra ser vidente; e consegue fazer isso com uma perícia extraordinária. Então, eu lancei pra vocês aqui uma pequena diferença ― que é no ator. O exemplo melhor que vocês têm...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Eu vou terminar a aula aqui, tá?) </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Um grande exemplo que vocês têm é o cinema do Hitchcock. Já passou aí ― eu já mandei passar ― o Disque M para matar. Você pega o Disque M e pega os três atores desse filme ― o Ray Milland, o Robert Cunnings e a Grace Kelly ― e a gente pega os atores de um cinema realista como, por exemplo, Um Bonde Chamado Desejo ― o Marlon Brando e a Vivien Leigh, certo? Os atores do cinema realista têm um comportamento explosivo ― eles se comportam segundo a manifestação do seu sentimento. O Hitchcock dá uma ordem para o seu ator: “Seja neutro! Inteiramente neutro! </div><div style="text-align: justify;">― Por que neutro? Porque, diz o Hitchcock, quem vai trabalhar aqui não é você. Quem vai trabalhar é a câmera. É a câmera que vai trabalhar. Que o ator fique neutro! </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Então, vocês viram Disque M para matar! Há um momento, no filme, em que a Grace Kelly descobre quem tinha matado não sei quem</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alª.: ---- pra matá-la!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Aí o marido dela diz assim: “Não vai ficar histérica, hein?” Aquilo é uma piada ― do Hitchcock ― contra o cinema realista. Porque, se fosse o cinema realista, ela ia começar a dar saltos, pulos, gritos... No cinema do Hitchcock, não! Tem que ficar inteiramente neutra. Agora, quando nós passarmos para o cinema-tempo, o primeiro exemplo que nós vamos ter aqui é um filme chamado Providence do Alain Resnais... Nós, aí, vamos começar a conhecer novos processos interpretativos. Inclusive, o ator finge estar trabalhando mal.<br />
</div><div style="text-align: justify;">Al.: Claudio, Festim Diabólico também é um bom exemplo disso, não é?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: É um bom exemplo! </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Ele tem marcações...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Não é só isso... É um plano único, é um plano sequência, não é?</div><div style="text-align: justify;">Alº.: Ele só --- a roupa...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: É. Ele só muda a roupa... </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº.: ---</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Tá, tá. Vocês...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alº².: Existe o cinema-movimento, o cinema-tempo e o cinema paramnésico???</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Não, não, não. A questão da paramnésia foi introduzida aqui com o objetivo de [marcar] uma diferença entre o passado e o presente. Foi esse o objetivo que nos levou à paramnésia. Foi introduzir duas idéias pra vocês: diferença e intensidade. Porque essas duas idéias vão ser a garantia do cinema-tempo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Eu acho que Janela Indiscreta indicou bem o que eu quis dizer e... ― eu vou só fechar aqui pra vocês. Atenção para o que eu disse: a personagem do cinema-movimento é um actante. Em Janela Indiscreta, a personagem é percipiente. Mas, quando nós passarmos para o cinema-tempo, a personagem não será um percipiente, será um vidente. Por quê? Porque ela vai ver o fundo do tempo. É isso que é a obra do Orson Welles, do Visconti, do Resnais, do Godard, do Realismo Italiano... produzir a vidência ―para entrar no TEMPO.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Está bom, não é?) </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(palmas...)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cl.: Não, não, não; na última aula vocês batem palmas!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(risos...)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Aulas transcritas: Aula 5 – Filosofia e Cinema em 26/07/1995</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Retirado do site: <a href="http://www.claudioulpiano.org.br/aulas.html">http://www.claudioulpiano.org.br/aulas.html</a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-38558914099670166212010-03-28T08:33:00.000-07:002010-03-28T08:33:23.117-07:00Tempo histórico - Victor Goldschimidt<div style="text-align: center;"><strong>Tempo histórico</strong></div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Parece que haveria duas maneiras distintas de interpretar um sistema; ele pode ser interrogado, seja sobre sua verdade, seja sobre sua origem; pode-se pedir-lhe que dê razões, ou buscar suas causas. Mas, nos dois casos, considera-se ele, sobretudo, como um conjunto de teses, de dogmata. O primeiro método, que se pode chamar dogmático, aceita, sob ressalva, a pretensão dos dogmas a serem verdadeiros, e não separa a léxis (A. Lalande) da crença; o segundo, que se pode chamar genético, considera os dogmas como efeitos, sintomas, de que o historiador deverá escrever a etiologia (fatos econômicos e políticos, constituição fisiológica do autor, suas leituras, sua biografia intelectual ou espiritual etc.). – </div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O primeiro método é eminentemente filosófico: ele aborda uma doutrina conforme à intenção de seu autor e, até o fim, conserva, no primeiro plano, o problema da verdade; em compensação, quando ele termina em crítica e em refutação, pode-se perguntar se mantém, até o fim, a exigência da compreensão. A interpretação genética, sob todas as suas formas, é ou pode ser um método científico e, por isso, sempre instrutivo; em compensação, buscando as causas, ela se arrisca a explicar o sistema além ou por cima da intenção de seu autor; ela repousa freqüentemente sobre pressupostos que, diferentemente do que acontece na interpretação dogmática, não enfrentam a doutrina estudada para medir-se com ela, mas se estabelecem, de certo modo, por sobre ela e servem, ao contrário, para medi-la. Enfim, o método dogmático, examinando um sistema sobre sua verdade, subtrai-o ao tempo; as contradições que é levado a constatar no interior de um sistema ou na anarquia dos sistemas sucessivos, provêm, precisamente, de que todas as teses de uma doutrina e de todas as doutrinas pretendem ser conjuntamente verdadeiras, "ao mesmo tempo". O método genético, pelo contrário, põe, com a causalidade, o tempo; além disso, o recurso ao tempo e a uma "evolução" permite-lhe, precisamente, explicar e dissolver essas contradições. – Ora, a história da filosofia, assim como Husserl o exigira da própria filosofia, deveria, e ao mesmo tempo, ser "ciência rigorosa" e, entretanto, permanecer filosófica. M. Guéroult, comentando a obra de E. Bréhier, lembrou, não faz muito, que "a história da filosofia é, antes de tudo, filosofia, mas que ela não tem valor para a filosofia senão permanecendo intransigente sobre a verdade histórica". – É para a elaboração de um método, ao mesmo tempo, científico e filosófico, que quereriam contribuir as notas seguintes.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A filosofia é explicitação e discurso. Ela se explicita em movimentos sucessivos, no curso dos quais produz, abandona e ultrapassa teses ligadas umas às outras numa ordem por razões. A progressão (método) desses movimentos dá à obra escrita sua estrutura e efetua-se num tempo lógico. A interpretação consistirá em reapreender, conforme à intenção do autor, essa ordem por razões, e em jamais separar as teses dos movimentos que as produziram. Precisemos esses diferentes pontos.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A filosofia é explicitação. Que esta explicitação proceda de uma "intuição original", que haja, por trás do que está "desenvolvido e exteriorizado", "um núcleo, uno, simples, voluntário e livre que lhe (ao historiador) revelará um sujeito", é coisa que se pode, certamente, conceder. Mas tendo o filósofo pretendido dar-nos um pensamento desenvolvido, o ofício do intérprete não pode consistir em reduzir à força esse desenvolvimento a sua fase embrionária, nem em sugerir, por imagens, uma interpretação que o filósofo julgou dever formular em razões. O primeiro motor de um sistema, que se chame intuição, sujeito,* pensamento central, não permaneceu na inação. Reduz-se ele a isso, cada vez que se toma um sistema assim, às avessas; ora, a intuição, tão bem denominada "original", tendeu, quanto a ela, a explicitar-se. Além disso, recorre-se a uma causa inteligível que teria isto de paradoxal, que, permanecendo oculta, como é preciso, aos olhos do filósofo, se entregaria ao intérprete. É que, tanto aqui como em outras pesquisas etiológicas, o intérprete se coloca acima do sistema e, em relação ao filósofo, ao invés de adotar primeiramente a atitude de discípulo, faz-se analista, médico, confessor. O sistema, entretanto, não é escrito para fornecer sintomas e índices destinados a uma desvalorização radical, em troca de sua causa produtora oculta, que eles teriam permitido inferir, mas, inversamente, para mostrar e para fazer compreender as produções desta causa, qualquer que seja ela. Ora, as asserções de um sistema não podem ter por causas, tanto próximas quanto adequadas,¨ senão razões conhecidas do filósofo e alegadas por ele. É possível, sem dúvida, colocar, na origem de um sistema, qualquer coisa como um caráter inteligível; mas, para o intérprete, esse caráter somente é dado no seu comportamento e nos seus atos, isto é, nos seus movimentos filosóficos e nas teses que eles produzem. O que é preciso estudar é essa "estrutura do comportamento", e referir cada asserção a seu movimento produtor, o que significa, finalmente, a doutrina ao método.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Doutrina e método, com efeito, não são elementos separados. O método se encontra em ato nos próprios movimentos do pensamento filosófico, e a principal tarefa do intérprete é restituir a unidade indissolúvel deste pensamento que inventa teses, praticando um método. Quando um autor consagrou a seu método uma exposição teórica, é preciso evitar interpretar esta última como um conjunto de normas dogmáticas, a serem classificadas ao lado dos dogmas propriamente ditos. Pode-se generalizar, a esse respeito, o que Descartes diz de seu próprio método, que "ele consiste mais em prática que em teoria" (a Mersenne, março de 1637); e quando, a propósito dos "Ensaios desse método", Descartes precisa "que as coisas que eles contêm não puderam ser achadas sem ele, e que se pode conhecer por eles o que ele vale", é preciso acrescentar que, sem eles, nem mesmo se pode conhecer o que ele é. Inversamente, tampouco se conhecem as teses, se abstraídas do método de que resultam.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A pesquisa, em matéria de filosofia, não procede somente da verdade, mas faz corpo com ela. Assim, para compreender uma doutrina, não é suficiente não separar a léxis da crença, a regra, de sua prática; é preciso, após o autor, refazer os movimentos concretos, aplicando as regras e chegando a resultados que, não por causa de seu conteúdo material, mas em razão desses movimentos, se pretendem verdadeiros. Ora, esses movimentos se nos apresentam na obra escrita.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Seria ainda separar método e doutrina o achar na obra um método somente de exposição, e não de descoberta. Mas, na oposição entre esses dois métodos, pensada até o fim, ou bem os dois termos acabam por coincidir, ou então o último destrói-se por si mesmo, porque sustentar, com E. Le Roy, que "a invenção se cumpre no nebuloso, no obscuro, no ininteligível, quase no contraditório", é dizer que ela não é, de modo algum, um método. E é possível, sem dúvida, na exegese dos sistemas, dedicar-se à reconstituição de uma tal "invenção", isto é, abandonar o filosófico pelo psicológico e pelo biográfico, e as razões pelas causas. Sem dúvida, é preciso também reconhecer que um autor possui, sob certa forma, idéias, antes de poder pensar em expô-las. Mas essas idéias não terão sua forma certa, sua descoberta não estará propriamente concluída senão com o traço final da obra. Crendo o contrário, corre-se o risco de ceder à ilusão retrógrada denunciada por Bergson; admite-se que uma doutrina preexiste à sua exposição, qual um conjunto de verdades inteiramente constituídas e indiferentes a seu modo de explicitação (e não se deve ter o temor de precisar: à sua expressão verbal). Mas a opinião não se confunde com a ciência; a tese simplesmente "descoberta", isto é, entrevista e que flutua livremente diante do espírito, não estará inventada, de verdade, senão quando for "exposta", isto é, "encadeada por um raciocínio" (Menão, 98 a). "Este ensaio", escreve Condillac, "estava acabado, e, entretanto, eu ainda não conhecia, em toda a sua extensão, o princípio da ligação das idéias. Isso provinha unicamente de um fragmento de cerca de duas páginas, que não estava no lugar onde deveria estar" (Essai sur l’orig. des conn. hum., II, II, 4).</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Os movimentos do pensamento filosófico estão inscritos na estrutura da obra, nada mais sendo esta estrutura, inversamente, que as articulações do método em ato; mais exatamente: é uma mesma estrutura, que se constrói ao longo da progressão metódica e que, uma vez terminada, define a arquitetura da obra. Ora, falar de movimentos e de progressão é, a não ser que fique em metáforas, supor um tempo, e um tempo estritamente metodológico ou, guardando para o termo sua etimologia, um tempo lógico . Em nada se cede, com isso, a um "psicologismo" qualquer. O tempo necessário para escrever um livro e para lê-lo é medido, sem dúvida, pelos relógios, ritmado por eventos de todos os tipos, encurtado ou alongado por toda espécie de causas; a esse tempo, nem o autor nem o leitor escapam inteiramente, assim como aos outros dados (estudados pelos métodos genéticos) que condicionam a filosofia, mas não a constituem. Porém, como escreve G. Bachelard, "o pensamento racional se estabelecerá num tempo de total não-vida, recusando o vital. Que a vida, por seu lado, se desenvolva e traga suas necessidades, é, sem dúvida, uma fatalidade corporal. Mas isso não suprime a possibilidade de retirar-se do tempo vivido, para encadear pensamentos numa ordem de uma nova temporalidade". Esta "temporalidade” está contida, como cristalizada, na estrutura da obra, como o tempo musical na partitura.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Admitir um tempo lógico é bem menos formular uma teoria, por sua vez, dogmática, que uma regra de interpretação, de que é preciso, ao menos, assinalar algumas aplicações.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Essa regra, em primeiro lugar, concerne à própria exegese dos métodos. Refazer, após o autor, os movimentos de que a estrutura da obra guarda o traçado, é repor em movimento a estrutura e, desse modo, situar-se num tempo lógico. Assim, o movimento inicial do método cartesiano dá às duas primeiras Meditações sua estrutura; esta estrutura, da maneira mais aparente, exprime-se no fato que há duas; a razão deste fato é que, para cumprir esse movimento, é preciso tempo. Descartes escreve sobre a dúvida universal: "Eu não pude (entretanto) dispensar-me de dar-lhe uma Meditação inteira; e eu gostaria que os leitores não empregassem apenas o pouco de tempo necessário para lê-la, mas alguns meses, ou, ao menos, algumas semanas, a considerar as coisas de que ela trata, antes de passar adianta", e, sobre o modo de conhecer o espírito: " É preciso examiná-lo freqüentemente e considerá-lo longamente… o que me pareceu uma razão suficientemente justa para não tratar outra matéria, na segunda Meditação" ( Seg. Resp., com.). Esse tempo, sem dúvida, varia segundo o leitor; ele dura "alguns meses" ou "algumas semanas". Mas a estrutura das Meditações é dada objetivamente, o método que a subtende tem pretensões a um valor universal, e o tempo onde se desenvolve esse método é um tempo lógico, apreendido pelo leitor-filósofo, ainda que esse leitor, se ele se chama Pedro, possa gastar com isso menos tempo físico que se ele se chama Paulo. O erro de interpretação, que Descartes censura em Gassendi, consiste em arrancar a dúvida universal ao movimento estrutural e ao tempo lógico. No método platônico, o quarto e o último movimento caracterizam-se não somente por sua certeza, seu desembaraço, mas, ainda, de uma maneira correspondente, pelo pouco tempo que ela supõe . – Em certas filosofias, o método em ato, não somente se move num tempo lógico, mas mantém relações, implícitas ou explícitas, com uma doutrina do tempo em geral; isto, tentaremos mostrá-lo alhures, acontece em Bergson, aquilo, nos Estóicos.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">De um modo mais geral, repor os sistemas num tempo lógico é compreender sua independência, relativa talvez, mas essencial, em relação aos outros tempos em que as pesquisas genéticas os encadeiam. A história dos fatos econômicos e políticos, a história das ciências, a história das idéias gerais (que são as de ninguém) fornecem um quadro cômodo, talvez indispensável, em todo o caso, não-filosófico, para a exposição das filosofias; eis aí, escreve E. Bréhier, "o tempo exterior ao sistema" . – A biografia, sob todas as suas formas, supõe um tempo vivido e, em última instância, não-filosófico, porque é o autor da biografia, não autor do sistema, que comanda seu desenrolar-se; mas o sistema, qualquer que seja seu condicionamento, é uma promoção; como diz M. Guéroult, a propósito de Fichte: "Bem se pode (pois) transpor na ordem do especulativo o que se passou na alma do filósofo"; seguindo-se o caminho inverso, impõe-se ao sistema uma desqualificação. É bastante notável que seja Bergson quem tenha afirmado a independência essencial de uma doutrina em relação ao tempo histórico em que ela aparece. "Tais ucronias fazem ver o que é essencial num pensamento filosófico é uma certa estrutura" .</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Pondo em primeiro plano "a preocupação pela estrutura" que, para citar ainda E. Bréhier, "domina decididamente a da gênese, cuja pesquisa tantas decepções causou" , a interpretação metodológica pode, pelo menos, quanto a seu princípio, pretender-se "científica"; além disso, do mesmo modo que as outras exegeses científicas, às quais ela não visa substituir-se, ela supõe um devir, mas que seja interior ao sistema, e busca as causas de um doutrina, aquelas pelas quais o próprio autor a engendra, diante de nós. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Filosófica, ela o é, na medida em que tenta compreender um sistema, conforme à intenção de seu autor. Indo mais além, ela poderia fornecer indicações, ao menos, para o que concerne ao problema da verdade formal de uma doutrina. – Que os movimentos filosóficos se cumpram num tempo próprio, isso significa, essencialmente, que a filosofia é discurso, que a verdade não lhe é dada em bloco e de uma só vez, mas sucessivamente e progressivamente, isto é, em tempos e em níveis diferentes. Se assim é, não parece, então, que se possa exigir de um sistema, o acordo simultâneo, resultando de uma conspiração intemporal, de seus dogmas considerados, unicamente, em seu conteúdo material. É o mesmo desconhecimento do tempo lógico que está na raiz destas duas exigências, a nosso ver, ilusórias: medir a coerência de um sistema pela concordância, efetuada num presente eterno, dos dogmas que o compõem, e realizar o esforço filosófico por uma intuição única e total, estabelecendo-se, também ela, na eternidade.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O "pleroma" das filosofias jamais poderá constituir-se pela concordância intemporal dos dogmas; eis aí o contra-senso fundamental de toda tentativa de ecletismo. Para constituí-lo solidamente, seria preciso unificar os diferentes tempos lógicos, mas sem recorrer ao tempo histórico (que não pode contê-los), nem a um tempo universal à maneira hegeliana (que os desregra e esmaga). Este tempo único englobante, não se pode conceber ele senão à maneira da idéia kantiana, tentando-se, unicamente, transpondo uma indicação dada por Bergson, restituir fragmentos dele que sejam comuns a duas consciências (filosóficas) "suficientemente aproximadas umas das outras", para ter "o mesmo ritmo de duração" (Durée e Simultanéité 2, pág. 58); tais comparações, institui-las-á o historiador, sem levar, necessariamente, em conta o tempo histórico, entre pensadores cujo "comportamento" filosófico ofereça estruturas aparentadas. As pesquisas sobre as "formas de pensamento", ou "estudos arquitetônicos" vão nesse sentido.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O problema da verdade material dos dogmas, considerado em si mesmo, não está, com isso, resolvido. Mas, pelo menos, parece que não se pode ele colocar em si mesmo e separadamente; toda filosofia é uma totalidade, onde se juntam, indissoluvelmente, as teses e os movimentos. Esses movimentos, efetuando-se num tempo lógico, implicam memória e previsão; mesmo se eles se apresentam como rupturas, são feitos em conhecimento de causa; são decisões ("batalhas", dizia Descartes); o que, ao mesmo tempo, mede a coerência de um sistema e seu acordo com o real, não é o princípio de não contradição, mas a responsabilidade filosófica . </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">É o que explica o recurso necessário, da parte do historiador, à obra assumida. Seja qual for o valor dos inéditos, eles não são, enquanto concebidos num tempo unicamente vivido, construídos no tempo lógico, que é o único a permitir o exercício da responsabilidade filosófica. Notas preparatórias, onde o pensamento se experimenta e se lança, sem ainda determinar-se, são léxis sem crença e, filosoficamente, irresponsáveis; elas não podem prevalecer contra a obra, para corrigi-la, prolongá-la, ou coroá-la; muito freqüentemente, não servem senão para governá-la, e, desse modo, falseá-la. Ora, o historiador não é, em primeiro lugar, crítico, médico, diretor de consciência; ele é quem deve aceitar ser dirigido, e isso, consentindo em colocar-se nesse tempo lógico, de que pertence ao filósofo a iniciativa.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Fonte: GOLDSCHMIDT, Victor. Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas filosóficos : A religião de Platão. São Paulo : Difusão Européia do Livro, 1963. p.. 139-147.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"></div>Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-36382534668310740432010-03-28T08:26:00.000-07:002010-03-28T08:26:30.759-07:00Entre o perplexo e o abissal<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;">Os humanos ao observarem a natureza, veem-na através de um universal de mudança permanente: as flores que murcham, o rio que escoa, as gerações que envelhecem e morrem,ou seja, a perenidade da vida. No desejo de acabarmos com o movimento do caos ( devir), tentamos instituir uma ordem ( cosmos), regidos por princípios ditos “racionais” que eternizam e organizam o tempo através das: mitologias, religiões, deuses, relógios, calendários, História, etc. Apreendemos o conceito de tempo através de dois operadores hermenêuticos : primeiro pela intuição do efêmero e segundo pelo desejo de eternidade. A tentativa de racionalizarmos e controlarmos o tempo, assume assim, a função reguladora e norteadora em nossas vidas. O grande problema que enfrentamos é que não podemos conceituá-lo a partir de pressupostos ditos empíricos, menos ainda a sua ação ─ a não ser indiretamente por meio de referenciais paradoxais e do efeito do mesmo sobre eles. Muito menos controlá-lo, pois a morte é inexorável aos seres e, mais uma vez nos vemos diante do medo terrificante de uma nulidade ontológica, ou seja, do não-ser. Apresenta-se enfim como um limite existencial. Numa ótima analogia, Umberto Eco (no livro O Nome da Rosa), pensa a busca pelo sentido das coisas como: um grande labirinto em que tempo e existência se entrecruzam sem um centro, nem periferia. Que conduz a toda parte e não leve a lugar nenhum. Podemos pensar, na infinitude de respostas que nos cerca, ante esse problema assombroso, que a experiência temporal possa ser um produto do nosso organismo ─ uma representação ilusória da nossa mente orgânica para que possamos suportar essa força perturbadora que a tudo integra e desintegra. Diante disso, o tempo se apresenta com uma perplexidade terrível, pois quando forçamos nossa mente a pensá-lo, somos jogados num abismo profundo das incertezas. Entre a experiência do perplexo e o abissal e num mergulho às ideias de grandes pensadores , que desejo, junto aos colegas, experimentar.</span></div>Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-71882646922430606152009-10-05T06:34:00.000-07:002009-10-05T06:35:41.612-07:00Sobre a brevidade da vida - Sêneca<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXo8nvSSfLENh5Epc9WjyFRGsv-s_wvIj74V-PR_fk4BWupI4xWM8MvZoXCdLK2Tx_bAIHYZxG3JlbwYIy29tb9RajLFMwN7Wl2GzZwmVxRnwIlV3Gp6vUC0eEUv7GIaecZm3ikU_YoeaZ/s1600-h/brevidade+vida.gif" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img $r="true" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXo8nvSSfLENh5Epc9WjyFRGsv-s_wvIj74V-PR_fk4BWupI4xWM8MvZoXCdLK2Tx_bAIHYZxG3JlbwYIy29tb9RajLFMwN7Wl2GzZwmVxRnwIlV3Gp6vUC0eEUv7GIaecZm3ikU_YoeaZ/s320/brevidade+vida.gif" /></a><br />
</div>SÊNECA, Lúcio A. Sobre a brevidade da vida. Tradução e notas Willian Li. – São Paulo: Editora Nova Alexandria, 1993. 79 páginas.<br />
<br />
"Deve-se aprender a viver por toda a vida, e , por mais que tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer". (VII, 4). P.34Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-55295617688992430302009-10-04T15:59:00.000-07:002009-10-04T19:53:10.595-07:00O fio e a trama: reflexões sobre o tempo e a História - Ivan Domingues<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"> <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihHP4ysLj38jDykge_X17szn-K2hVM74SAcg65S21zH17LfEKtJMIbDIp_Pg3jfeQ80N9qGAUPxd26s93EI1OHftHefFTyhLuCdwVG47bsuQqDxHTjeqrrjm3PZKBnbI4O_T68OWKHg7Jv/s1600-h/o+fio+e+a+trama.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img $r="true" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihHP4ysLj38jDykge_X17szn-K2hVM74SAcg65S21zH17LfEKtJMIbDIp_Pg3jfeQ80N9qGAUPxd26s93EI1OHftHefFTyhLuCdwVG47bsuQqDxHTjeqrrjm3PZKBnbI4O_T68OWKHg7Jv/s320/o+fio+e+a+trama.jpg" /></a><br />
</div><div style="text-align: justify;">DOMINGUES, Ivan. O fio e a trama: reflexões sobre o tempo e a História.São Paulo: ed. Iluminuras, 1996. 254 Páginas.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>A experiência do tempo e da História:</strong><br />
</div><div style="text-align: justify;">A intuição do efêmero reveste a experiência humana do tempo;<br />
</div><div style="text-align: justify;">Dois operadores hermenêuticos para se pensar o tempo:<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">1. Intuição do efêmero;<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">2. Desejo de eternidade.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>O poder nefasto do tempo:</strong><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Uma disposição profunda da natureza humana que, qual uma carapaça, está aparelhada não propriamente para integrar e assimilar o tempo, mas para barrá-lo e subtrair-se dele, sob pena de nele desintegrar-se por completo”. P.20<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Integram-se esses dispositivos:<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">1. Instinto<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">2. Hábito<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
3. Memória<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">4. Esquecimento<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">5. Consciência<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>Instinto:</strong> Puro automatismo, sem relação com o passado – mera repetição com o presente (segundo Alquie).<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>Hábito:</strong> Passado pensado sobre o presente e fixado no presente.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Função de ambos:<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">1. Negar a mudança;<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">2. Elevar-se contra o devir;<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">3. Instalar uma ordem no tempo;<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">4. Fixidez no modo de ser dos homens.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Dá origem ao que os gregos chamam de ÉTHOS – segunda natureza em que os homens se põem ao abrigo da ação do tempo e da atividade desintegradora da história”.P.12<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>Memória:</strong> A faculdade do eterno e do presente, que conserva o passado no presente e o faz aderir a nós, a ponto de confundir conosco – através de uma resistência – reconcilia-se com a História – abre-se ao passado morto. <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>Esquecimento:</strong> Faculdade de apagar o tempo que empalidece para que os homens possam suportar a existência – se esforça por se esquecer e apaga da memória tudo aquilo que cai no tempo e traz o selo de sua ação corrosiva: o novo, o imprevisto, o efêmero.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>Consciência:</strong> Faculdade do eterno. Desprende-se da cadeia temporal – marcha de frente para trás ou de trás para frente, desafiando toda cronologia.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">1) Pondo-se no passado, instalando-se no futuro, refugiando-se no presente;<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">2) A linguagem é uma extensão da consciência e da memória;<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">3) Assim como as instituições: Estado, economia, religiões, etc.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">4) Ela é adquirida segundo Piaget, na infância – a partir dos 7 anos;<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">5) Dá a capacidade de notarmos a individualidade e a caducidade das coisas.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O homem não pode representar o tempo, menos ainda a ação do tempo, a não ser indiretamente, por meio das coisas e do efeito dos mesmos sobre elas”. P. 22<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">1) A memória coletiva funciona mediante estruturas diferentes: categorias ao invés de acontecimentos, arquétipos ao invés de personagens históricos.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">2) O mito retira a ação do personagem histórico ao assimilá-lo ao modelo de arquétipo (herói) e o acontecimento integra-se a categoria de ação mítica (façanha). <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“ Memória coletiva é a-histórica: além de não conferir nenhuma importância às lembranças pessoais, ela não retém os acontecimentos e as individualidades históricas senão a medida que os transforma em arquétipos, isto é, na medida em que ela anula todas as particularidades históricas e pessoais.” P.22<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Três notas que qualificam simultaneamente o tempo sagrado e profano:<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">REALIDADE - CONTINUIDADE - REVERSIBILIDADE <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">MITO - RITO - TEMPO<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Sendo assim, habitado por potências sobrenaturais que agem sobre o curso das coisas e o mundo dos homens, o tempo é uma realidade concreta e sua ação afeta os homens e as coisas; nutridos por forças anímicas que dão vida as coisas e permitem a continuidade do mundo, o tempo é um continuum e seu sentido duração; por fim, podendo ter seu curso suspenso e revertido, ligando o fim à origem e o resultado ao começo, o tempo, além de contínuo, é reversível repetição do ciclo e do eterno retorno.” P .23<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">* Reversibilidade do tempo – tempo circular;<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">* Arquétipos de repetição - o homem arcaico elabora a experiência do tempo e confere sentido à história.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“A desvalorização e anulação não levam à perda do real e à eliminação do tempo, mas a instalação de uma realidade e de uma temporalidade superiores;a ordem da eternidade; instalada não fora do tempo, mas no tempo, no tempo sagrado das origens <em>(“In illo tempore, abe origine”</em>)”.P.25<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“ Os gregos, não satisfeitos, tratam de ampliar o léxico do tempo, com a introdução de termos que traduzem novos aspectos da experiência da temporalidade e, assim, modalizam o tempo”. P.29<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">* <strong><em>CRONOS </em></strong>da teologia Órfica – tempo que não envelhece, imortal, imperecível e eterno;<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">* Os judeus e cristãos lidavam com a figura do tempo linear;<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">* Os gregos não só conheciam a figura do tempo circular, mas que coexistiam um tanto conflitiva, três figuras de temporalidade:<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">1. O tempo circular do eterno retorno.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">2. Homérico-hesíoda – tempo que é co-extensivo ao mundo e é de alguma forma filho dele.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">3. Órfica – tempo que preexiste ao mundo e está na origem dele, como o pai na do filho. Um tempo não franqueado aos homens, que nascem, crescem e morrem sem conseguirem juntar o começo e o fim do tempo. <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong><em>OKEANÓS</em></strong>: rio que escoa sem cessar e arrasta tudo atrás de si, em seu leito insaciável de morte. “O deus que engole seus próprios filhos e o próprio tempo, o tempo insaciável de anos que consome todos que nele se escoam”. P.31<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong><em>AIÓN</em></strong>: palavra que acabou por designar a duração da vida, a idade ou a geração. Para Platão e outros pensadores posteriores passou a designar também a eternidade.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Homero usa duas palavras importantes:<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong><em>ÊMAR</em>:</strong> utilizada para designar o dia;<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong><em>HÓRA:</em></strong> Usada para designar as estações do ano, seja o momento que convém a uma ação ou a uma atividade, como o momento de fazer um relato, o tempo de um casamento. P.31<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong><em>KAIROS</em></strong> (καιρός): Uso corrente nos sofistas, designando o instante privilegiado, o momento mais oportuno para tomar uma decisão e desencadear uma ação. P.31<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">As inovações dos gregos –figuras de temporalidade e o campo semântico do tempo – nos ajudam a compreender o aprofundamento da experiência e da temporalidade. Sem falarmos no arquétipo de repetição. A ideia de efêmero, por exemplo, é conhecida pelos gregos – EPHEMEROS – o que dura um dia.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Sófocles em o “Édipo em Colona”:<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Somente os deuses estão livres da velhice e da morte, todas as coisas, afora eles, estão envoltas pelo tempo soberano. A força da terra se esgota, o vigor do corpo se esgota; a confiança enfraquece, a desconfiança floresce...” P.32<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">1. Os gregos buscaram evadir-se do tempo através de um plano superior da realidade em que se pudessem pôr ao abrigo de suas penas e fadigas: a ordem da eternidade.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">2. A concepção de tempo helenístico – romana: cíclico e circular<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">3. Judaico-cristã: tempo linear em que acontecimentos fundadores – únicos e irreversíveis – são lembrados cotidianamente pelo crente ao ler o livro sagrado.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Passemos a discutir o campo semântico da temporalidade. Três palavras latinas conhecidas dos eruditos e retóricos romanos são retomadas pelos pais da igreja. Com elas procurou-se designar certos aspectos e modulações do tempo:<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">1. <strong><em>TEMPUS:</em></strong> Dá a ideia de duração, frações ou porções de tempo, tais como as monções de época, período, hora, instante, estação do ano. Também indica momento favorável, oportunidade, ocasião próxima ao sentido do Káiros grego;<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">2. <strong><em>AETERNITAS</em></strong> (subst) ou <strong><em>AETERNUS</em></strong>(adj): Empregado para designar a eternidade, na concepção indefinida no tempo. Utilizada pelos cristãos para designar uma ordem transcendente ao tempo.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">3. <strong><em>AEVUM</em></strong>: Utilizada pelos romanos para designar a acepção de tempo em sua duração continuada e ilimitada ( Horácio) até partes ou frações de tempo – época, idade,geração (Tito Lívio). Os cristãos utilizavam-no como ordem intermediária entre o tempo e a eternidade. Exemplo de São Tomás, que alojava no (Aevum) os anjos.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">4. <strong><em>KAIROS</em>:</strong> Assume, ao contrário dos sofistas (utilizavam-no como de sentido de “ocasião favorável para tomada de decisão e a deflagração de uma ação”). Mas para os cristãos, indica o instante primordial a depender da escolha e da decisão de Deus – um futuro decidido no presente, em cristo. O Káiros, para os cristãos, assume não a ruptura com o presente – mas a utilização dele para conquistar a eternidade. Então o presente é a extensão mítica para o eterno, ou seja, Deus.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O tempo não pode apagar o passado, também não pode apagar a si próprio, por isso é irreversível.Mas, sendo a sua duração limitada na duração ilimitada do eterno”. P.37-38<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A modernidade é a época que o registro do tempo, dilatado – tanto em extensão e em profundidade – causa um paroxismo:<br />
</div><div style="text-align: justify;">1. Ainda vivemos no tempo que flui, com seus imprevistos, males e sofrimentos – decadência dos corpos, erosões das instituições, etc.<br />
</div><div style="text-align: justify;">2. A experiência do domínio ou do controle do homem sobre o tempo – instrumentos de medidas precisos que racionalizam o trabalho.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Uma fração considerável do devir temporal se determina como um meio neutro a disposição dos homens. Controlada pelo homem, porém se segmenta, se instrumentaliza e se contabiliza – tempo da ciência e da técnica. No mesmo espaço que se dissocia do tempo do mundo (tempo cotidiano) interage com ele.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Tais experiências são parecidas e têm mais de um ponto de contato com a dos gregos e dos medievais, é verdade, mas no obstante, delas diferem em diversos aspectos e em outros tantos pontos, atestando um conjunto de inflexões e rupturas, de que resulta algo novo e , como tal, pode-se dizer totalmente desconhecido de ambos, a saber: a laicização do tempo, o esvaziamento de suas potências “ noturnas” e a transferência de seus poderes aos homens; a imanentização do eterno ao tempo e a instalação do tempo ao absoluto na História, a emergência do prometeismo associado ao projeto de dominação da natureza e de controle da sociedade; o impulsionamento da técnica vinculada a racionalização do mundo do trabalho e dos negócios; o gosto pela novidade e a deificação do efêmero, etc – estão bem lá a testemunhá-lo”. P.39-40<br />
</div>Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-47912750315021180112009-10-04T11:31:00.000-07:002009-10-04T14:05:03.344-07:00Hotel do Tempo - Brasigóis Felício<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjK4pY8PfghrMBI6mY1ARJtLHD0Lw8tyD65xZEDourCpKYdfunV2g_Q0hqvzYOXQBnJ19zkNpnHenT1KdiwVZkndFnz_tbiujg2YDWI1Nhf2nh6WQfBbW2ClWr4NZRL99QpRjv100rGR8Tw/s1600-h/brasigois+felicio.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img $r="true" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjK4pY8PfghrMBI6mY1ARJtLHD0Lw8tyD65xZEDourCpKYdfunV2g_Q0hqvzYOXQBnJ19zkNpnHenT1KdiwVZkndFnz_tbiujg2YDWI1Nhf2nh6WQfBbW2ClWr4NZRL99QpRjv100rGR8Tw/s320/brasigois+felicio.bmp" /></a><br />
</div>FELÍCIO, Brasigóis. Hotel do Tempo. Ed: Civilização brasileira, 1981. 247 páginas.<br />
<br />
Biografia do autor: <a href="http://palavrarte.sites.uol.com.br/Equipe/equipe_brasigois.htm">http://palavrarte.sites.uol.com.br/Equipe/equipe_brasigois.htm</a><br />
<br />
<div style="text-align: center;"><strong>Temporal humano</strong><br />
</div><div style="text-align: center;">O tempo, impassível, assiste<br />
</div><div style="text-align: center;">escorrer com mel e sangue<br />
</div><div style="text-align: center;">a nossa trágica humanidade.<br />
</div><div style="text-align: center;">Somos a carnes<br />
</div><div style="text-align: center;">e a pressentimentos.<br />
</div><div style="text-align: center;">Mas tem um medo atróz,<br />
</div><div style="text-align: center;">que nos torna fugitivos<br />
</div><div style="text-align: center;">das noites mais escuras<br />
</div><div style="text-align: center;">dos que bebem, e ficam loucos.<br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;">II<br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;">Ao tempo, não importa<br />
</div><div style="text-align: center;">o pôdre ou a porta que existam<br />
</div><div style="text-align: center;">em nossas víceras:<br />
</div><div style="text-align: center;">age somente sobre o tempo e os ossos.<br />
</div><div style="text-align: center;">( O brilho dos olhos já nem aparece<br />
</div><div style="text-align: center;">em certo mortos-vivos que conheço).<br />
</div><div style="text-align: center;">As línguas de sal e os presságios<br />
</div><div style="text-align: center;">a vida, imersa e sobrevivente<br />
</div><div style="text-align: center;">da noite de mil anos, um oceano de sangue<br />
</div><div style="text-align: center;">onde se afoga o animal humano, <br />
</div><div style="text-align: center;">em riste e triste.<br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;">III<br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;">Máquina de medo e simulação.<br />
</div><div style="text-align: center;">Painel de maravilhas<br />
</div><div style="text-align: center;">e de crimes hediondos<br />
</div><div style="text-align: center;">a vida, jaz, assassinada<br />
</div><div style="text-align: center;">e sobrevive ainda<br />
</div><div style="text-align: center;">nas víceras dos vivos rescendendo<br />
</div><div style="text-align: center;">a fezes e eternidade.<br />
</div><div style="text-align: center;">(Páginas 63-64).<br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
<br />
</div><div style="text-align: center;"><strong>Viagem abissal</strong><br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;">Fôsse sempre este silêncio<br />
</div><div style="text-align: center;">e a paz eu abitaria, definitivo.<br />
</div><div style="text-align: center;">Fôsse sempre essa entrega<br />
</div><div style="text-align: center;">às coisas que passam,<br />
</div><div style="text-align: center;">no dorso do tempo.<br />
</div><div style="text-align: center;">Só, como poderia estar<br />
</div><div style="text-align: center;">um vivo humano,<br />
</div><div style="text-align: center;">numa paz absoluta<br />
</div><div style="text-align: center;">só de quem está morrendo<br />
</div><div style="text-align: center;">e deixa de lutar<br />
</div><div style="text-align: center;">contra a noite<br />
</div><div style="text-align: center;">e a luz que o envolve,<br />
</div><div style="text-align: center;">eu habito o que me habita:<br />
</div><div style="text-align: center;">a quietude das coisas<br />
</div><div style="text-align: center;">garuejando<br />
</div><div style="text-align: center;">nos tendões do vento.<br />
</div><div style="text-align: center;">Que venha a morte,<br />
</div><div style="text-align: center;">e me convoque quando quiser<br />
</div><div style="text-align: center;">- já não a temo<br />
</div><div style="text-align: center;">desde o dia antigo em que a busquei<br />
</div><div style="text-align: center;">nos rios, e no silêncio<br />
</div><div style="text-align: center;">e só a vida eu encontrei em tudo.<br />
</div><div style="text-align: center;">Que venham a mim<br />
</div><div style="text-align: center;">todas as vozes que me chamam:<br />
</div><div style="text-align: center;">seja isto<br />
</div><div style="text-align: center;">a pura alegria dos anjos<br />
</div><div style="text-align: center;">ou os gemidos do sangue, e dos demônios.<br />
</div><div style="text-align: center;">(Página 108).<br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;"><strong>O Tempo e os olhos</strong><br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;">Veio a chuva, veio o tempo<br />
</div><div style="text-align: center;">no dorso nu da memória<br />
</div><div style="text-align: center;">com sua carga<br />
</div><div style="text-align: center;">de limo e de espera.<br />
</div><div style="text-align: center;">O tempo veio, e levou<br />
</div><div style="text-align: center;">sua ferrugem, e os ossos<br />
</div><div style="text-align: center;">e o que restou, em ruínas<br />
</div><div style="text-align: center;">da nossa busca de escombros:<br />
</div><div style="text-align: center;">essa aventura inútil.<br />
</div><div style="text-align: center;">O tempo veio, e ficou<br />
</div><div style="text-align: center;">nos ossos dos despojados<br />
</div><div style="text-align: center;">e no sangue que estocou.<br />
</div><div style="text-align: center;">(Página 158).<br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;"><strong>O tempo e os ossos</strong><br />
Não sou nenhum mago<br />
</div><div style="text-align: center;">mágico ou médico de dementes<br />
para saber das coisas do tempo<br />
como sabem da morte e da vida,<br />
intensamente,<br />
os que estão doentes.<br />
Não sou nenhum idólatra<br />
na solidão que rói meus ossos<br />
e range e ruge como um bicho<br />
nos meus olhos<br />
se uma estrada me espera<br />
e no tempo são seis horas.<br />
<br />
Não sou, não serei nunca um visionário<br />
a não ser pobre advinho do meu transe<br />
e um que sabe dos limites<br />
e mesmo se entregando<br />
não esqueceu jamais que é um corpo.<br />
Por isso doem tanto os fins de tarde<br />
as noites no início,<br />
e as crianças sorrindo<br />
uma hora antes de morrer.<br />
Por isso. Só por isso me entrego<br />
ao tumulto dos butecos<br />
e de vez em quando me permito passear dentro da noite,<br />
como um louco.<br />
<br />
Não sou, repito, nenhum idólatra<br />
da solidão que rói meus ossos<br />
por isso. Só por isso busco tanto<br />
nas vísceras e no tempo<br />
a minha fragilidade<br />
e o meu poder de esquecimento.<br />
(Página 207).<br />
<br />
<br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;"><br />
</div>Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-73892420733414266372009-10-03T18:10:00.000-07:002009-10-03T21:04:48.422-07:00Deleuze, a arte e a filosofia - Roberto Machado<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4dsRMdlUWM0OoYVaExLeBQc6OQYbg-zNAn8zPtnXto-yFcA7mfLLdk99l1xfIhPjB6gWieMEPrimF4OlfTIyzPNUWr9Zc5ynWaMML6yUkDeEt3zCEYTxSl75naMx6JwqhJ-iW-kT_i14-/s1600-h/capa+livro+roberto+machado_+deleuze.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img $r="true" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4dsRMdlUWM0OoYVaExLeBQc6OQYbg-zNAn8zPtnXto-yFcA7mfLLdk99l1xfIhPjB6gWieMEPrimF4OlfTIyzPNUWr9Zc5ynWaMML6yUkDeEt3zCEYTxSl75naMx6JwqhJ-iW-kT_i14-/s400/capa+livro+roberto+machado_+deleuze.jpg" /></a><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">MACHADO, Roberto. Deleuze, a arte e a filosofia. Zahar editores: Rio de Janeiro, 2009. 340 Páginas.</span><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">“Seu pensamento não se restringe à consideração do texto filosófico: fazer filosofia é muito mais que do que repetir ou repensar filósofos. Quando, porém, ele estuda o discurso científico ou as expressões artísticas e literárias, jamais tem por objetivo fazer filosofia das ciências, das artes ou da literatura. Pois, para ele, a filosofia não é uma reflexão sobre a exterioridade da filosofia, uma reflexão sobre domínios ou áreas extrínsecas ao discurso filosófico; ela é um processo de criação. “Não creio que a filosofia seja uma reflexão sobre alguma coisa, como a pintura ou cinema...Não se trata de refletir sobre o cinema...O cinema não é para mim um pretexto ou um domínio de aplicação. A filosofia não está em estado de reflexão externa sobre outros domínios, mas em estado de aliança ativa e interna entre eles, e ela não é nem mais abstrata, nem mais difícil.(...) Quando se vive em uma época pobre, a filosofia se refugia em uma reflexão ‘sobre’...Se ela nada cria, que mais pode fazer senão refletir sobre?... De fato, o que interessa é retirar do filósofo o direito à reflexão sobre. O filósofo é criador e não reflexivo.” P.11-12<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O que Deleuze chama de devir do conceito é essa a conexão tanto dos elementos de um conceito quanto dos diferentes conceitos em um mesmo sistema conceitual; é o fato que os conceitos se coordenam, se conectam, se compõem, se aliam numa determinada filosofia, mesmo que tenham histórias diferentes. Assim, ele distingue devir e história de um conceito. Dizer que um conceito tem uma história significa que ele não é criado do nada; foi preparado por conceitos anteriores ou alguns componentes desse conceito vêm de conceitos de outros filósofos, embora ele permaneça original”.P. 16-17.<br />
<br />
“Para Kant, se o “eu penso”é uma determinação que implica uma existência indeterminada “eu sou”,ainda não se sabe como esse indeterminado é determinável, nem sob que forma ele aparece como determinado. Portanto, não se pode dizer, como Descartes, “eu sou uma pessoa pensante”. Por que Kant pode dizer isso? Porque introduz um novo componente no cogito , o tempo como forma da interioridade, defendendo que só no tempo minha existência indeterminada é determinável.” P.17<br />
<br />
<br />
“A crítica Kantiana consiste em negar um encadeamento entre os dois termos e propor o terceiro.Esse terceiro termo é a forma sob a qual o indeterminado é determinável pela determinação: a forma do tempo. O que muda, então, com a introdução do tempo no cogito? Que a existência do “eu penso”só é determinável no tempo, portanto como um eu fenomenal, receptivo e mutante, porque o tempo é uma forma de intuição, que é sensível, e não intelectual, como o “eu penso”, que Kant chama de forma de apercepção: o tempo é a forma sob qual a intuição de nosso estado interno torna-se possível. O tempo “só nos representa à consciência como nos aparecemos e não como somos em nós mesmos porque só nos intuímos como somos internamente afetados...”. Assim, o eu transcendental é distinto do eu fenomenal, porque o tempo os distingue no interior do sujeito.” P.17<br />
<br />
<br />
</div>continua....Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-4594499146303883292009-09-24T18:39:00.000-07:002009-10-03T18:52:30.520-07:00O Tempo – Cláudio Ulpiano<div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7R7yyap_UzJOtlHZr8PDl2q4g3T2Cia96skMz3RllGxdRK0nwdNVX4zDZYlnUsilIvzR-eIpRxg_beUHXJ9N7ke7U0VbRq6TfGWsrhwDSHd0cNt5kbnExgBZRMe-DKPAnC9BIkKPAbs1P/s1600-h/ATgAAACNeRpYlkCjFLv2bgwEGyW3m8-G-PSW2GUPo7mT4f5pxGUYANQRSN1Ukgvj43C_CSx-T4Mn6fCavMnas8qwUOCZAJtU9VDZPmjesoAWPVRitoiriq1w3GHhEg.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img $r="true" border="0" height="233" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7R7yyap_UzJOtlHZr8PDl2q4g3T2Cia96skMz3RllGxdRK0nwdNVX4zDZYlnUsilIvzR-eIpRxg_beUHXJ9N7ke7U0VbRq6TfGWsrhwDSHd0cNt5kbnExgBZRMe-DKPAnC9BIkKPAbs1P/s320/ATgAAACNeRpYlkCjFLv2bgwEGyW3m8-G-PSW2GUPo7mT4f5pxGUYANQRSN1Ukgvj43C_CSx-T4Mn6fCavMnas8qwUOCZAJtU9VDZPmjesoAWPVRitoiriq1w3GHhEg.jpg" width="320" /></a><br />
</div>Aula 4 em áudio – a partir do minuto 12: 30. Retirado do site: <a href="http://www.claudioulpiano.org.br/">http://www.claudioulpiano.org.br/</a><br />
</div><div style="text-align: justify;">O tempo<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Quando eu não penso o tempo, daí eu entendo o tempo”. Santo Agostinho. <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O homem comum tem só uma representação do tempo – passado, presente, futuro. A busca de uma representação do tempo torna um obstáculo ao entendimento dele. O tempo ao ser associado ao pensamento, não pode ser dito como é dita a representação do tempo. Se eu começo a pensar o tempo, vou começar a descobrir, que o tempo se constituem de múltiplos corredores, uma quantidade quase que indefinida de finidade de planos. Que não segue a trilha clássica da representação – ele vai e vem, rupturas, zigue-zagues, etc. Não é regido por princípios, por exemplo: princípio da não contradição.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O pensamento rompe com a representação que temos de tempo, ou seja, passado, presente, futuro. Toda questão nesse fim de século – todas as práticas das experimentações da filosofia e da ciência são um mergulho nas representações. Toda prática da filosofia se desenvolve, manifesta, relaciona com o tempo. Uma relação que não é reprodução e o modelo do tempo banal com a qual nós vivemos.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Temos uma dificuldade muito grande em sair das nossas próprias representações. Pois ela dá a sensação de segurança, e nós ficamos envolvidos por ela ao qual dá uma garantia pra nossa vida. Ou uma suposta garantia.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Quando rompemos com a representação do tempo, ocorre dois fatores:<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">I. EFEITO EXISTÊNCIAL:<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Vai abalar a nossa maneira de viver quando confrontado com a nossa representação, ou não, pois estamos “vacinados” contra essa representação, ao que nos dá uma sensação de satisfação.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">II. EFEITO DE FUGA:<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Abandonar a superfície clara da razão humana, pois ela sempre supôs que para ela funcionar ela precisa de uma superfície clara ao penetrar no mundo do tempo, que nos causa um atordoamento (choque, golpe). Começamos a nos surpreender do que é a vida.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Existe um pintor chamado Debuff, em que para ele todas as representações são meras ficções, no sentido que a realidade é constituído de movimentos super velozes de moléculas que nós não aprendemos. Ela é constituída de coisas que não tem nada haver com a nossa realidade/ representação.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Toda a representação do tempo, espaço, diâmetro, sucessões, etc. É produto do nosso organismo. Para poder passar, ele constrói uma representação segundo o seu modelo. Nós estamos numa representação orgânica do mundo, significa que fazemos do mundo uma representação. O organismo projeta um cosmos racionalmente organizado, ele tem uma ordem racional semelhante à física de Newton – nós possuímos uma razão para dar conta desse cosmo. O homem está permanente a natureza, segundo um modelo da sua representação orgânica, segundo Nietzsche – uma humanização da natureza (projeções das representações humanas).<br />
<br />
</div><div style="text-align: justify;">Uma representação não cria mais nada.<br />
<br />
<br />
O mundo do caos se torna uma potência criadora e criativa onde nós mergulhamos no regime dos possíveis. Quando estamos no sonho, as dimensões do tempo se perdem, e ao acordarmos, pensamos: onde estou? Logo nos localizamos e começamos a produzir.<br />
<br />
Quando confrontados com o caos, ou podemos fugir – não querendo saber dele – ou procuramos outros agenciamentos, como a religião, para poder dar conta do medo.<br />
<br />
Devemos saber que as práticas criativas são um mergulho no caos. <br />
<br />
A arte Gótica é a natureza caótica. Em cima dessa natureza, o homem constrói qualquer coisa que sirva para ele. O gótico da liberdade para o experimentador poder criar e inventar os sentidos que o caos constitui. <br />
<br />
Todos estamos afundados no caos, em que nós só conseguimos elaborar alguma coisa nele, a partir da nossa maneira de representar o Tempo – uma tentativa de organizar o caos. <br />
<br />
A nossa vida prolonga outras vidas, as nossas teorias prolongam outras teorias.<br />
<br />
O artista não é aquele que cria do nada, ele apenas renova.<br />
<br />
Um psicótico ou esquizofrênico vive em outro tempo, outra representação, ele acaba perdendo o eixo. Ele sempre pergunta: que horas são? É uma busca por referência.<br />
<br />
Pensar o Tempo é pensar o corpo que está afundado no Tempo.<br />
<br />
Quando o pensamento volta a pensar o seu corpo ele volta a pensar as categorias da vida: são os afetos do corpo.<br />
<br />
Cada corredor que penetramos é um novo mundo que aparece na nossa frente.<br />
<br />
Mergulho no Tempo é o mergulho no mundo dos possíveis.<br />
<br />
<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-86870215985247537382009-09-23T10:07:00.000-07:002009-10-03T18:26:36.896-07:00A interpretação das culturas - Clifford Geertz<div style="text-align: justify;"><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFMbZkycHVDRdGiVqnDg1pEPdC3TF_H-Eutu_-10cC7D6EqHWKrh3Qfzz1YybeGQg6iP0i89kuXtcyfEJaZwciMnBvagrJn7LYpTwaa1zBMkhHBJ8L6k2LZyPppI0dYyVrFVtC0toXVUC-/s1600-h/CLIFORD+GEERTZ.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img $r="true" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFMbZkycHVDRdGiVqnDg1pEPdC3TF_H-Eutu_-10cC7D6EqHWKrh3Qfzz1YybeGQg6iP0i89kuXtcyfEJaZwciMnBvagrJn7LYpTwaa1zBMkhHBJ8L6k2LZyPppI0dYyVrFVtC0toXVUC-/s400/CLIFORD+GEERTZ.jpg" /></a><br />
</div>GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Editora: LTC – Livros técnicos e Científicos. Rio de Janeiro. 1989<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong><em>Capitulo 2: O impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem</em></strong><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“A perspectiva iluminista do homem era, naturalmente, a de que ele constituía uma só peça com a natureza e partilhava da uniformidade geral de composição que a ciência natural havia descoberto sob o incitamento de Bacon e a orientação de Newton.” (P.25)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“A enorme e ampla variedade de diferenças entre os homens, em crenças e valores, em costumes e instituições, tanto no tempo como de lugar para lugar, é essencialmente sem significado ao definir sua natureza. Consiste em meros acréscimos, até mesmo distorções, sobrepondo e obscurecendo o que é verdadeiramente humano — o constante, o geral, o universal — no homem.”(P.26)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Assim, numa passagem hoje notória, Dr. Johnson viu que o gênio de Shakespeare residia no fato de que “ seus caracteres não são modificados pelos costumes de determinados lugares, não-praticados pelo restante do mundo; pelas peculiaridades dos estudos ou profissões seguidas por pequeno número de pessoas, ou pelos acidentes de modas passageiras ou opiniões temporárias”. E Racine via o sucesso de suas peças ou temas clássicos como prova de que “o gosto de Paris..,combina com o de Atenas: meus espectadores foram tocados pelas mesmas coisas que, em outros tempos, levaram lágrimas aos olhos das classes mais cultas da Grécia”. ( P.26)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“ O problema com esse tipo de perspectiva.(...) é que a imagem de uma natureza humana constante, independente de tempo, lugar e circunstância, de estudos e profissões, modas passageiras e opiniões temporárias, pode ser uma ilusão, que o que o homem é pode estar tão envolvido com onde ele está, quem ele é e no que ele acredita, que é inseparável deles. É precisamente o levar em conta tal possibilidade que deu margem ao surgimento do conceito de cultura e ao declínio da perspectiva uniforme do homem. O que quer que seja que a antropologia moderna afirme — e ela pa ter afirmado praticamente tudo em uma ou outra ocasião —, ela tem a firme convicção de que não existem de fato homens não-modificados pelos costumes de lugares particulares, nunca existiram e, o que é mais importante, não o poderiam pela própria natureza do caso.” (P.26)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Essa circunstância faz com que seja extraordinariamente difícil traçar uma linha entre o que é natural, universal e constante no homem, e o que é convencional, local e variável. Com efeito, ela sugere que traçar tal linha é falsificar a situação humana, ou pelo menos interpretá-la mal, mesmo de forma séria.”(P.27)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“ É entre interpretações como essas, todas insatisfatórias, que a antropologia tem tentado encontrar seu caminho para um conceito mais viável sobre o homem, no qual a cultura e a variabilidade cultural possam ser mais levadas em conta do que concebidas como capricho ou preconceito e, no entanto, ao mesmo tempo, um conceito no qual o princípio dominante na área, “a unidade básica da humanida de”, não seja transformado numa expressão vazia.” (P.27)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Alimentar a idéia de que a diversidade de costumes no tempo e no espaço não é simplesmente uma questão de indumentária ou aparência, de cenários e máscaras de comediantes, é também alimentar a idéia de que a humanidade é tão variada em sua essência como em sua expressão.” (P.27)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Para a imagem do homem do século XVIII, como o racional nu que surgiu quando ele se despiu dos seus costumes culturais, a antropologia do final do século XIX e início do século XX substitui a imagem do homem como do animal transfigurado que surgia quando ele novamente se vestia com esses costumes.” (P. 28)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Ao nível da pesquisa concreta e da análise específica, essa estratégia grandiosa desceu, primeiro, a uma caçada por universais na cultura, por uniformidades empíricas que, em face da diversidade de costumes no mundo e no tempo, podiam ser encontradas em todo o lugar em praticamente a mesma forma e, segundo, a um esforço para relacionar tais universais, uma vez encontrados, com as constantes estabelecidas de biologia, psicologia e organização social humanas.” ( P.28) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Em essência, essa não é certamente uma idéia nova. A noção de um consensus gentium (um consenso de toda a humanidade) — a noção de que há algumas coisas sobre as quais todos os homens concordam como corretas, reais, justas ou atrativas, e que de fato essas coisas são, portanto, corretas, reais, justas ou atrativas — estava presente no iluminismo e esteve presente também, em uma ou outra forma, em todas as eras e climas.” ( P.28)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“ O fato de que em todos os lugares as pessoas se juntam e procriam filhos têm algum sentido do que é meu e do que é teu, e se protegem, de alguma forma, contra a chuva e o sol não é nem falso nem sem importância, sob alguns pontos de vista. Todavia, isso pouco ajuda no traçar um retrato do homem que seja uma parecença verdadeira e honesta e não urna espécie de caricatura de um “João Universal”, sem crenças e credos.”( P.29)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Meu ponto de vista, que deve ser claro e, espero, logo se tornará ainda mais claro não é que não existam generalizações que possam ser feitas sobre o homem como homem, além da que ele é um animal muito variado, ou de que o estudo da cultura nada tem a contribuir para a descoberta de tais generalizações. Minha opinião é que tais generalizações não podem ser descobertas através de uma pesquisa baconiana de universais culturais, uma espécie de pesquisa de opinião pública dos povos do mundo em busca de um consensus gentium que de fato não existe e, além disso, que as tentativas de assim proceder conduzem precisamente à espécie de relativismo que toda a aborda em se propunha expressamente evitar.”(P.29)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Os universais culturais são concebidos como respostas cristalizadas a essas realidades inevitáveis, formas institucionalizadas de chegar a termos com elas.” (P.31)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Novamente o problema aqui não é tanto se, de uma forma geral, essa espécie de congruência existe, mas se ela é maior do que uma congruência frouxa e indeterminada. Não é difícil relacionar algumas instituições humanas ao que a ciência (ou o senso comum) nos diz serem exigências para a existência humana, mas é muito mais difícil afirmar essa relação de forma inequívoca. Qualquer instituição serve não apenas uma multiplicidade de necessidades sociais, psicológicas e orgânicas (de forma que dizer que o casamento é mero reflexo da necessidade social de reprodução, ou que os hábitos alimentares são mero reflexo das necessidades metabólicas, é fazer uma paródia), mas não há qualquer modo de se afirmar, de forma precisa e testável, quais as relações interníveis que se supõe manter-se.” (P.31)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“A despeito do que possa parecer, não há aqui uma tentativa sé ria de aplicar os conceitos e teorias da biologia, da psicologia ou até mesmo da sociologia à análise da cultura (e, certamente, nem mesmo uma sugestão do inverso), mas apenas a colocação, lado a lado, de fatos supostos dos níveis cultural e subcultural, de forma a induzir um sentimento vago de que existe uma espécie de relação entre eles — uma obscura espécie de “modelagem”. Não há aqui qualquer integração teórica, mas uma simples correlação, assim mesmo intuitiva,de achados separados. Com a abordagem de níveis não podemos jamais, mesmo invocando “pontos invariantes de referência”, construir interligações funcionais genuínas entre os fatores cultural e não- cultural, apenas analogias, paralelismos, sugestões e afinidades mais ou menos persuasivas.”( P.31)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“A principal razão pela qual os antropólogos fogem das particularidades culturais quando chegam à questão de definir o homem, procurando o refúgio em universais sem sangue, é que, confrontados como o são pela enorme diversidade do comportamento humano, eles são perseguidos pelo medo do historicismo, de se perderem num torvelinho de relativismo cultural tão convulsivo que poderá privá-los de qualquer apoio fixo.” ( P. 32) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“A noção de que, a menos que um fenômeno cultural seja empiricamente universal, ele não pode refletir o que quer que seja sobre a natureza do homem é tão lógica como a noção de que, porque uma anemia celular não é, felizmente, universal, ela nada nos pode dizer sobre os processos genéticos humanos.” ( P.32)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Resumindo, precisamos procurar relações sistemáticas entre fenômenos diversos, não identidades substantivas entre fenômenos similares. E para consegui-lo com bom resultado precisamos substituir a concepção “estratigráfica” das relações entre os vários aspectos da existência humana por uma sintética, isto é, na qual os fatores biológicos, psicológicos, sociológicos e culturais possam ser tratados como variáveis dentro dos sistemas unitários de análise. O estabelecimento de uma linguagem comum nas ciências sociais não é assunto de mera coordenação de terminologias ou, o que é pior ainda, de cunhar novas terminologias artificiais. Também não é o caso de impor um único conjunto de categorias sobre a área como um todo. É uma questão de integrar diferentes tipos de teorias e conceitos de tal forma que se possa formular proposições significativas incorporando descobertas que hoje estão separadas em áreas estanques de estudo.”(P.32)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Na tentativa de lançar tal integração do lado antropológico e alcançar, assim, uma imagem mais exata do homem, quero propor duas idéias. A primeira delas é que a cultura é melhor vista não como complexos de padrões concretos de comportamento — costumes, usos, tradições, feixes de hábitos —, como tem sido o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle — planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros de computação chamam “programas”) — para governar o comportamento. A segunda idéia é que o homem é precisamente o animal mais desesperadamente dependente de tais mecanismos de controle, extragenéticos, fora da pele, de tais programas culturais, para ordenar seu comportamento. ( P.32)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“A partir de tais reformulações do conceito da cultura e do papel da cultura na vida humana, surge, por sua vez, uma definição do homem que enfatiza não tanto as banalidades empíricas do seu comportamento, a cada lugar e a cada tempo, mas, ao contrário, os mecanismos através de cujo agenciamento a amplitude e a indeterminação de suas capacidades inerentes são reduzidas à estreiteza e especificidade de suas reais realizações. Um dos fatos mais significativos a nosso respeito pode ser, finalmente, que todos nós começamos com o equipamento natural para viver milhares de espécies de vidas, mas terminamos por viver apenas uma espécie.” ( P. 33)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“A perspectiva da cultura como “mecanismo de controle” inicia-se com o pressuposto de que o pensamento humano é basicamente tanto social como público — que seu ambiente natural é o pátio familiar, o mercado e a praça da cidade. Pensar consiste não nos “acontecimentos na cabeça” (embora sejam necessários acontecimentos na cabeça e em outros lugares para que ele ocorra), mas num tráfego entre aquilo que foi chamado por G. H. Mead e outros de símbolos significantes — as palavras, para a maioria, mas também gestos, desenhos, sons musicais, artifícios mecânicos como relógios, ou objetos naturais como jóias — na verdade, qualquer coisa que esteja afastada da simples realidade e que seja usada para impor um significado à experiência. Do ponto de vista de qualquer indivíduo particular, tais símbolos são dados, na sua maioria. Ele os encontra já em uso corrente na comunidade quando nasce e eles permanecem em circulação após a sua morte, com alguns acréscimos, subtrações e alterações parciais dos quais pode ou não participar. Enquanto vive, ele se utiliza deles, ou de alguns deles, às vezes deliberadamente e com cuidado, na maioria das vezes espontaneamente e com facilidade, mas sempre com o mesmo propósito: para fazer uma construção dos acontecimentos através dos quais ele vive, para auto-orientar-se no “curso corrente das coisas experimentadas”, tomando de empréstimo uma brilhante expressão de John Dewey.” ( P.33)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O homem precisa tanto de tais fontes simbólicas de iluminação para encontrar seus apoios no mundo porque a qualidade não-simbólica constitucionalmente gravada em seu corpo lança uma luz muito difusa. Os padrões de comportamento dos animais inferiores, pelo menos numa grande extensão, lhes são dados com a sua estrutura física; fontes genéticas de informação ordenam suas ações com margens muito mais estreitas de variação, tanto mais estreitas e mais completas quanto mais inferior o animal.” (P.33)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Quanto ao homem, o que lhe é dado de forma inata são capacidades de resposta extremamente gerais, as quais, embora tornem possível uma maior plasticidade, complexidade e, nas poucas ocasiões em que tudo trabalha como de vê, uma efetividade de comportamento, deixam-no muito menos regulado com precisão. Este é, assim, o segundo aspecto do nosso argumento. Não dirigido por padrões culturais — sistemas organizados de símbolos significantes — o comportamento do homem seria virtualmente ingovernável, um simples caos de atos sem sentido e de explosões emocionais, e sua experiência não teria praticamente qual quer forma. A cultura, a totalidade acumulada de tais padrões, não é apenas um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela — a principal base de sua especificidade.” ( P. 33) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Na antropologia, algumas das evidências mais reveladoras que apóiam tal posição provêm de avanços recentes em nossa compreensão daquilo que costumava ser chamado a descendência do homem: a emergência do Homo sapiens do seu ambiente geral primata. Três desses avanços são de importância relevante: (l) o descartar de uma perspectiva seqüencial das relações entre a evolução física e o desenvolvimento cultural do homem em favor de uma superposição ou uma perspectiva interativa; (2) a descoberta de que a maior parte das mudanças biológicas que produziram o homem moderno, a partir de seus progenitores mais imediatos, ocorreu no sistema nervoso central, e especialmente no cérebro: (3) a compreensão de que o homem é, em termos físicos, um animal incompleto, inacabado; o que o distingue mais graficamente dos não homens é menos sua simples habilidade de aprender (não importa quão grande seja ele) do que quanto e que espécie particular de coisas ele tem que aprender antes de poder funcionar.” (P.34)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A perspectiva tradicional das relações entre o avanço biológico e cultural do homem era que o primeiro, o biológico, foi completado, para todos os intentos e propósitos, antes que o último, o cultural, começasse. Isso significa dizer novamente que era estratigráfico. O ser físico do homem evoluiu, através dos mecanismos usuais de variação genética e seleção natural, até o ponto em que sua estrutura anatômica chegou a mais ou menos à situação em que hoje o encontramos: começou então o desenvolvimento cultural. Em algum estágio particular da sua história filogenética, uma mudança genética marginal de alguma espécie tornou-o capaz de produzir e transmitir cultura e, daí em diante, sua forma de resposta adaptativa às pressões ambientais foi muito mais exclusivamente cultural do que genética. À medida que se espalhava pelo globo, ele vestia peles nos climas frios e tangas (ou nada) nos climas quentes; não alterou seu modo inato de responder à temperatura ambiental. Fabricou armas para aumentar seus poderes predatórios herdados e cozinhou os alimentos para tornar alguns deles mais digestivos.”(P.34) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O homem se tornou homem, continua a história, quando, tendo cruzado algum Rubicon mental, ele foi capaz de transmitir “conhecimento, crença, lei, moral, costume” (para citar os itens da definição clássica de cultura de Sir Edward Tylor) a seus descendentes e seus vizinhos através do aprendizado. Após esse momento mágico, o avanço dos hominídios de pendeu quase que inteiramente da acumulação cultural, do lento crescimento das práticas convencionais, e não da mudança orgânica física, como havia ocorrIdo em áreas passadas.” (P.34)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O único problema é que tal momento não parece ter existido. Pelas estimativas recentes, a transição para um tipo de vida cultural demorou alguns milhões de anos até ser conseguida pelo gênero Homo. Assim retardado, isso envolveu não apenas uma ou um punhado de mudanças genéticas marginais, porém uma seqüência, longa, complexa e estreitamente ordenada.” ( P.34)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Isso significa que a cultura, em vez de ser acrescentada, por assim dizer, a um animal acabado ou virtualmente acabado, foi um ingrediente, e um ingrediente essencial, na produção desse mesmo animal.” ( P.34)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Entre o padrão cultural, o corpo e o cérebro foi criado um sistema de realimentação (feedback) positiva, no qual cada um modelava o progresso do outro, um sistema no qual a interação entre o uso crescente das ferramentas, a mudança da anatomia da mão e a representação expandida do polegar no córtex é apenas um dos exemplos mais gráficos. Submetendo-se ao governo de programas simbolicamente mediados para a produção de artefatos, organizando a vida social ou expressando emoções, o homem determinou, embora inconscientemente, os estágios culminantes do seu próprio destino biológico. Literalmente, embora inadvertidamente, ele próprio se criou.” (P.35)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O que nos aconteceu na Era Glacial é que fomos obrigados a abandonar a regularidade e a precisão do controle genético detalhado sobre nossa conduta em favor da flexibilidade e adaptabilidade de um controle genético mais generalizado sobre ela, embora não menos real. Para obter a informação adicional necessária no sentido de agir, fomos forçados a depender cada vez mais de fontes culturais — o fundo acumulado de símbolos significantes. Tais símbolos são, portanto, não apenas simples expressões, instrumentalidade ou correlatos de nossa existência biológica, psicológica e social: eles são seus pré-requisitos. Sem os homens certamente não haveria cultura, mas, de forma semelhante e muito significativamente, sem cultura não haveria homens.” (P.36)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Somando tudo isso, nós somos animais incompletos e inacabados que nos completamos e acabamos através da cultura — não através da cultura em geral, mas através de formas altamente particulares de cultura: dobuana e javanesa, Hopi e italiana, de classe alta e classe baixa, acadêmica e comercial. A grande capacidade de aprendizagem do homem, sua plasticidade, tem sido observada muitas vezes, mas o que é ainda mais crítico é sua extrema dependência de uma espécie de aprendizado: atingir conceitos, a apreensão e aplicação de sistemas específicos de significado simbólico.” (P.36)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Conforme um autor mencionou com grande propriedade, vive mos num “hiato de informações”. Entre o que o nosso corpo nos diz e o que devemos saber a fim de funcionar, há um vácuo que nós mesmos devemos preencher, e nós o preenchemos com a informação (ou desinformação) fornecida pela nossa cultura.”( P.36)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Entre os planos básicos para a nossa vida que os nossos genes estabelecem — a capacidade de falar ou de sorrir — e o comportamento preciso que de fato executamos — falar inglês num certo tom de voz, sorrir enigmaticamente numa delicada situação social — existe um conjunto complexo de símbolos significantes, sob cuja direção nós transformamos os primeiros no segundo, os planos básicos em atividade.” (P.36)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Nossas idéias, nossos valores, nossos atos, até mesmo nossas emoções são, como nosso próprio sistema nervoso, produtos culturais — na verdade, produtos manufaturados a partir de tendências, capacidades e disposições com as quais nascemos, e, não obstante, manufaturados. Chartres é feita de pedra e vidro, mas não é apenas pedra e vidro, é uma catedral, e não somente uma catedral, mas uma catedral particular, construída num tempo particular por certos membros de uma sociedade particular. Para compreender o que isso significa, para perceber o que isso é exatamente, você precisa conhecer mais do que as propriedades genéricas da pedra e do vidro e bem mais do que é comum a todas as catedrais. Você precisa compreender também — e, em minha opinião, da forma mais crítica — os conceitos específicos das relações entre Deus, o homem e a arquitetura que ela incorpora, uma vez que foram eles que governaram a sua criação. Não é diferente com os homens: eles também, até o último deles, são artefatos culturais.” ( p.36)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Quaisquer que sejam as diferenças que elas apresentam, as abordagens para a definição da natureza humana adotadas pelo iluminismo e pela antropologia clássica têm uma coisa em comum: ambas são basicamente tipológicas. Elas tentam construir uma imagem do homem como um modelo, um arquétipo, uma idéia platônica ou uma forma aristotélica, em relação à qual os homens reais — você, eu, Churchill, Hitler e o caçador de cabeças bornéu — não são mais que reflexos, distorções, aproximações.” (P.37)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“ Todavia, o sacrifício é tão desnecessário como inútil. Não há Oposição entre a compreensão teórica geral e a compreensão circunstancial, entre a visão sinóptica e a visão detalhista. Na verdade, é através do seu poder de tirar proposições gerais a partir de fenômenos particulares que uma teoria científica — aliás, a própria ciência — deve ser julgada. Se queremos descobrir quanto vale o homem, só poderemos descobri-lo naquilo que os homens são: e o que os homens são, acima de todas as outras coisas, é variado. É na compreensão dessa variedade — seu alcance, sua natureza, sua base e suas implicações — que chegaremos a construir um conceito da natureza humana que contenha ao mesmo tempo substância e verdade, mais do que uma sombra estatística e menos do que o sonho de um primitivista.” (P.37)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“E para chegar, finalmente, à razão do n título, é aqui que o conceito de cultura tem seu impacto no conceito de homem. Quando vista como um conjunto de mecanismos simbólicos para controle do comportamento, fontes de informação extra-somáticas, a cultura fornece o vínculo entre o que os homens são intrinsecamente capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam, um por um. Tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo e direção às nossas vidas.”(P.37)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Resumindo, temos que descer aos detalhes, além das etiquetas enganadoras, além dos tipos metafísicos, além das similaridades vazias, para apreender corretamente o caráter essencial não apenas das várias culturas, mas também dos vários tipos de indivíduos dentro de cada cultura, se é que desejamos encontrar a humanidade face a face. Nessa área, o caminho para o geral, para as simplicidades reveladoras da ciência ,segue através de uma preocupação com o particular; o circunstancial, o concreto, mas uma preocupação organizada e dirigida em termos da espécie de análises teóricas sobre as quais toquei — as análises da evolução física, do funcionamento do sistema nervoso, da organização social, do processo psicológico, da padronização cultural e assim por diante — e, muito especialmente, em termos da influência mútua entre eles. Isso quer dizer que o caminho segue através de uma complexidade terrificante, como qualquer expedição genuína.” (P.38)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Curvado sobre seus próprios fragmentos, pedras e plantas comuns, o antropólogo também medita sobre o verdadeiro e o insignificante, nele vislumbrando (ou pelo menos é o que pensa), fugaz e inseguramente, sua própria imagem desconcertante, mutável.” (P.39)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-41480241190225945972009-09-23T09:53:00.000-07:002009-10-03T18:30:39.569-07:00A Escola dos Annalles - 1929-1989 - A revolução francesa da historiografia- Peter Burke<div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSWXX3oqj_JkIh5RFdYzyDU2U-xe8l0gvIzPxxe3a9NxEVaoGniyjMvrwvRKNZpWTj9ZM_ImGHu7HqlGl3Cv540z0DlJtdWvhcA6PG8um82T7eKeKvMrH18jxb2JauVJ1jacWT9Oo5DzH4/s1600-h/annales.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img $r="true" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSWXX3oqj_JkIh5RFdYzyDU2U-xe8l0gvIzPxxe3a9NxEVaoGniyjMvrwvRKNZpWTj9ZM_ImGHu7HqlGl3Cv540z0DlJtdWvhcA6PG8um82T7eKeKvMrH18jxb2JauVJ1jacWT9Oo5DzH4/s400/annales.jpg" /></a><br />
</div>BURKE, Peter. A Escola dos Annalles, 1929-1989. A revolução francesa da historiografia. São Paulo: Unesp, 1991. 154 páginas.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Em toda a literatura, a sociedade contempla a sua própria imagem.” Marc Bloch.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“É necessário ser herético”. Lucien Febvre<br />
</div><div style="text-align: justify;">“As mudanças ocorrem no tempo de gerações, e mesmo de séculos, por isso os contemporâneos dos fatos nem sempre se apercebem delas.” Fernand Braudel<br />
</div><div style="text-align: justify;">“Meu grande problema, o único problema a resolver, é demonstrar que o tempo avança com diferentes velocidades”.Fernand Braudel<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Apresentação <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“A insatisfação que os jovens Marc Bloch e Lucien Febvre demonstravam, nas décadas de 10 e 20, em relação à história política, sem dúvida estava vinculada à relativa pobreza de suas análises, em que situações históricas complexas se viam reduzidas a um simples jogo de poder entre grandes – homens ou países – ignorando que, aquém e além dele, se situavam campos de forças estruturais, coletivas e individuais que lhe conferiam densidade e profundidade incompatíveis com o que parecia ser a frivolidade dos eventos.” ( Pág 7) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“A necessidade de uma história mais abrangente e totalizante nascia do fato de que o homem se sentia como um ser cuja complexidade em sua maneira de sentir, pensar e agir, não podia reduzir-se a um pálido reflexo de jogos de poder, ou de maneiras de sentir, pensar e agir dos poderosos do momento. Fazer uma outra história, na expressão usada por Febvre, era portanto menos redescobrir o homem do que, enfim, descobri-lo na plenitude de suas virtualidades, que se inscreviam concretamente em suas realizações históricas.” ( Pág 7) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Como em Michelet, não se desprezava o subjetivo, a individualidade, como em Marx ou em outros historiadores que assentavam suas análises no econômico e no social; não se esquecia de que as estruturas sempre têm algo a dizer a respeito do comportamento do homem; e como Burckhardt, afirmava-se que o homem não se confinava a um corpo a ser mantido, mas também um espírito que criava e sentia diferentemente, em situações diferençadas.” ( Pág 7) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Por outro lado, permite compreender que o engajamento histórico não é uma via de mão única e que buscar o conhecimento do homem integral e total – preocupação constante de Marx – não deve limitar-se a vê-lo como prisioneiro de estruturas asfixiantes, mas também como um espírito capaz de ser livre por sua criatividade.” ( Pág 9) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><em><strong>Prefácio </strong></em><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Uma boa parte dessa nova história é o produto de um pequeno grupo associado à revista Annales, criada em 1929. Embora esse grupo seja chamado geralmente de a “Escola dos Annales”, por se enfatizar o que possuem em comum, seus membros, muitas vezes, negam sua existência ao realçarem as diferentes contribuições individuais no interior do grupo.” ( Pág 11)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O núcleo central do grupo é formado por Lucien Febvre, Marc Bloch, Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie. Próximos desse centro estão Ernest Labrousse, Pierre Vilar, Maurice Agulhon e Michel Vovelle, quatro importantes historiadores cujo compromisso com uma visão marxista da história particularmente forte no caso de Vilar – coloca-os fora desse núcleo. Aquém ou além dessa fronteira estão Roland Mousnier e Michel Foucault. Este aparece esporadicamente neste estudo em razão da interpenetração de seus interesses históricos com os vinculados aos Annales.” ( Pág 11)<br />
</div><div style="text-align: justify;">“O objetivo deste livro é descrever, analisar e avaliar a obra da escola dos Annales. Essa escola é, amiúde, vista como um grupo monolítico, com uma prática histórica uniforme, quantitativa no que concerne ao método, determinista em suas concepções, hostil ou, pelo menos, indiferente à política e aos eventos. Esse estereótipo dos Annales ignora tanto as divergências individuais entre seus membros quanto seu desenvolvimento no tempo. Talvez seja preferível falar num movimento dos Annales, não numa “escola”. ( Pág 12) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Esse movimento pode ser dividido em três fases. Em sua primeira fase, de 1920 a 1945, caracterizou-se por ser pequeno, radical e subversivo, conduzindo uma guerra de guerrilhas contra a história tradicional, a história política e a história dos eventos. Depois da Segunda Guerra Mundial, os rebeldes apoderaram-se do establishement histórico. Essa segunda fase do movimento, que mais se aproxima verdadeiramente de uma “escola”, com conceitos diferentes (particularmente estrutura e conjuntura) e novos métodos (especialmente a “história serial” das mudanças na longa duração), foi dominada pela presença de Fernand Braudel.” ( Pág 12)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Na história do movimento, uma terceira fase se inicia por volta de 1968. É profundamente marcada pela fragmentação. A influência do movimento, especialmente na França, já era tão grande que perdera muito das especificidades anteriores. Era uma “escola” unificada apenas aos olhos de seus admiradores externos e seus críticos domésticos, que perseveravam em reprovar-lhe a pouca importância atribuída à política e à história dos eventos. Nos últimos vinte anos, porém, alguns membros do grupo transferiram-se da história socioeconômica para a sociocultural, enquanto outros estão redescobrindo a história política e mesmo a narrativa.” ( Pág 12)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><em><strong>1 - O antigo regime na historiografia e seus críticos</strong></em><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Por volta de meados do século XVIII, um certo número de escritores e intelectuais, na Escócia, França, Itália, Alemanha e em outros países, começou a preocupar-se com o que denominava a “história da sociedade”. Uma história que não se limitava a guerras e à política, mas preocupava-se com as leis e o comércio, a moral e os “costumes”, temas que haviam sido o centro de atenção do famoso livro de Voltaire Essai sur lés moeurs.” ( Pág 17)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Contudo, uma das conseqüências da chamada “Revolução Copernicana” na história ligada ao nome de Leopold von Ranke, foi marginalizar, ou re-marginalizar, a história sociocultural. Os interesses pessoais de Ranke não se limitavam à história política. Escreveu sobre a Reforma e a Contra-Reforma e não rejeitou a história da sociedade, da arte, da literatura ou da ciência. Apesar disso, o movimento por ele liderado e o novo paradigma histórico elaborado arruinaram a “nova história” do século XVIII. Sua ênfase nas fontes dos arquivos fez com que os historiadores que trabalhavam a história sociocultural parecessem meros dilettanti. ( Pág 18) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Mesmo no século XIX, alguns historiadores foram vozes discordantes. Michelet e Burckhardt, que escreveram suas histórias sobre o Renascimento mais ou menos na mesma época, 1865 e 1860, respectivamente, tinham uma visão mais ampla da história do que os seguidores de Ranke. Burckhardt interpretava a história como um campo em que interagiam três forças – o Estado, a Religião e a Cultura –, enquanto Michelet defendia o que hoje poderíamos descrever como uma “história da perspectiva das classes subalternas”, em suas próprias palavras “a história daqueles que sofreram, trabalharam, definharam e morreram sem ter a possibilidade de descrever seus sofrimentos”.” (Pág 18) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Não podemos esquecer que a obra-prima do velho historiador francês Fustel deCoulanges, A Cidade Antiga (1864), dedicava-se antes à história da religião, da família e da moralidade, do que aos eventos e à política. Marx também oferecia um paradigma histórico alternativo ao de Ranke. Segundo sua visão histórica, as causas fundamentais da mudança histórica deveriam ser encontradas nas tensões existentes no interior das estruturas socioeconômicas.” ( Pág 19)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“De qualquer forma, os historiadores eram vistos dessa maneira pelos cientistas sociais. O desprezo de Durkheim pelos eventos já foi mencionado; seu seguidor, o economista François Simiand, foi mais longe nesse sentido, quando, num famoso artigo, atacou o que chamou de “os ídolos da tribo dos historiadores”. Segundo ele, havia três ídolos que deveriam ser derrubados: “o ídolo político”, “a eterna preocupação com a história política, os fatos políticos, as guerras, etc., que conferem a esses eventos uma exagerada importância”; o “ídolo individual”, isto é, a ênfase excessiva nos chamados grandes homens, de forma que mesmo estudos sobre instituições eram apresentados como “Pontchartrain e o Parlamento de Paris”, ou coisas desse gênero; e, finalmente, o “ídolo cronológico”, ou seja, “o hábito de perder-se nos estudos das origens” . “ ( Pág 21)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Talvez tenha sido por essa razão que Seignobos se transformou no símbolo de tudo aquilo a que os reformadores se opunham. De fato, ele não era exclusivamente um historiador político, pois escrevera também sobre civilização. Estava interessado na relação entre a história e as ciências sociais, embora não tivesse a mesma visão dessa relação que Simiand ou Febvre. Estes publicaram duras críticas a seu trabalho. A crítica de Simiand apareceu numa nova revista, a Revue de Synthèse Historique, fundada por um grande empreendedor intelectual, Henri Berr. Sua intenção, encorajar historiadores a colaborar com outras disciplinas, especialmente com a psicologia e a sociologia, na esperança de produzir o que ele chamava de “psicologia histórica” ou “coletiva”. ” ( Pág 22)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><em><strong>2 – Os fundadores: Lucien Febvre e Marc bloch</strong></em><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Les Rois Thaumaturges merece ser considerada uma das grandes obras históricas do nosso século. Seu tema é a crença, muito difundida na Inglaterra e na França, da Idade Média até o século XVIII, de que os reis tinham o poder de curar os doentes de escrófula, uma doença da pele conhecida como o “mal dos reis”, através do toque real, que se fazia acompanhar de um ritual com essa finalidade.” ( Pág 28) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O autor considerava seu livro, com alguma razão, uma contribuição à história política da Europa no sentido mais amplo e verdadeiro do termo “político”, pois nele analisava a idéia de monarquia. “O milagre real foi acima de tudo a expressão de uma concepção particular do poder político supremo”.” ( Pág 28)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Les Rois Thaumaturges Les Rois Thaumaturges foi notável em pelo menos três outros aspectos. Primeiro, porque não se limitava a um período histórico convencional, a Idade Média. Seguindo o conselho que mais tarde formularia em termos gerais em seu Métier d’historien, Bloch escolheu o período para localizar o problema, o que significava que tinha de escrever “ a história da longa-duração”, como foi chamada por Braudel uma geração depois. Tal perspectiva conduziu Bloch a conclusões interessantes; uma das mais importantes foi a de constatar que o ritual do toque não apenas sobreviveu no século XVII, a época de Descartes e de Luís XIV, mas nele floresceu como jamais, pelo menos no sentido de que Luís XIV tocou um número maior de doentes do que seus predecessores. Não era, pois, um mero “fóssil”.” ( Pág 29)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“De maneira semelhante, o artigo de Febvre sobre a Reforma critica os historiadores religiosos por tratarem o episódio como essencialmente vinculado aos “abusos” institucionais e a intenção de reformá-los, mais do que como “uma profunda revolução do sentimento religioso”. De acordo com Febvre, a razão dessa revolução deveria ser buscada, ainda uma vez, na ascensão da burguesia, que “necessitava de... uma religião que fosse transparente, racional, humana e amavelmente fraternal” . A invocação da burguesia parece hoje um pouco recorrente, mas o intento de ligar a religião à história social permanece inspiradora.” ( Pág 31)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Ele admitia que as evidências desse grupo social “datavam de um tempo em que ele nada mais era do que uma sombra de si mesmo”, mas argumentava que essas últimas evidências permitiam “apreender vestígios” do que era o sistema em sua plenitude. Em outras palavras, Bloch não criou o novo método. Sua tarefa foi empregá-lo de uma maneira mais consciente e sistemática do que os seus predecessores.”( Pág 36)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O segundo estudo, La societé féodale, é o livro pelo qual Bloch é mais conhecido. É uma ambiciosa síntese que abrange mais de quatro séculos de história européia, vai de 900 a 1300, enfocando uma grande variedade de tópicos, muitos dos quais discutidos em outras obras: servidão e liberdade, monarquia sagrada, a importância do dinheiro e outros. Por isso, pode-se afirmar que se trata de uma obra que sintetiza o trabalho de toda a sua vida. ( Pág 36)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Diferentemente de seus primeiros estudos sobre o sistema feudal, não se restringe à análise das relações entre a propriedade agrária, a hierarquia social, a guerra e o estado. Preocupa-se com a sociedade feudal como um todo, com o que hoje designaríamos “a cultura do feudalismo”. Como também, ainda uma vez, com a psicologia histórica, com o que o autor chamava de “modos de sentir e de pensar”. É a parte mais original do livro, consubstanciada numa discussão sobre temas como o sentido do tempo, ou melhor, a medieval “indiferença pelo tempo”, ou, pelo menos, sua falta de interesse em mensurá-lo acuradamente. Dedica também um capítulo à “memória coletiva”, um tema que tanto o fascinou quanto ao seu amigo, o sociólogo durkheiminiano Maurice Halbwachs.” (Pág 36)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“ Em toda a literatura, a sociedade contempla a sua própria imagem.” ( Pág 36)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Pouco a pouco os Annales converteram-se no centro de uma escola histórica. Foi entre 1930 e 1940 que Febvre escreveu a maioria de seus ataques aos especialistas canhestros e empiricistas, além de seus manifestos e programas em defesa de “um novo tipo de história” associado aos Annales –postulando por pesquisa interdisciplinar, por uma história voltada para problemas , por uma história da sensibilidade, etc.” ( Pág 38)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Sua única feição iconoclástica era o capítulo em que Bloch atacava o que denominou, no estilo de Simiand, “o ídolo das origens”, defendendo que todo fenômeno histórico tem de ser explicado em termos de seu tempo, e não em função de tempos anteriores.” ( pág 39)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“De uma maneira semelhante, Febvre agora tentava explicar por que o povo não duvidava da existência de Deus. Argumentava, que o “instrumental intelectual” do período, como o denominava, não permitia a descrença.” (Pág 40)<br />
</div><div style="text-align: justify;">“Enfocou o problema com uma verve característica, por uma espécie de via negativa, anotando a importância do que faltava ao século XVI, as palavras que faltavam, incluindo termos-chave, tais como “absoluto” e “relativo”, “abstrato” e “concreto”, “causalidade”, “regularidade”, e tantos outros. “Sem eles”, indaga enfaticamente, “como poderia o pensamento de alguém possuir um verdadeiro vigor filosófico, solidez e claridade?”.” (Pág 41) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O profundo interesse de Febvre pela lingüística subjaz a essa discussão extremamente original. Contudo, ele não se contentou com uma análise lingüística. O livro finaliza com um debate sobre alguns problemas da psicologia histórica. É a parte do livro mais conhecida, bastante controvertida, mas muito inspiradora. Observa, por exemplo, que as concepções seiscentistas de espaço e tempo eram extremamente imprecisas se comparadas com os nossos padrões. “Em que ano nasceu Rabelais? Ele não sabia”, e nada havia de incomum nesse desconhecimento. “O tempo mensurado”, ou o tempo de relógio, era ainda menos significativo do que o “tempo vivenciado”, descrito em termos de pôr-de-sol, do vôo das aves ou da extensão de uma Ave Maria. Febvre vai mais longe e sugere que a visão era um sentido “subdesenvolvido” nesse período, e que o sentimento de beleza da natureza não existia. “Não existia um Hotel Belavista no século XVI, nem qualquer Hotel Campo Belo. Esses nomes apenas apareceram com o Romantismo.” (Pág 41) <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“De acordo com Febvre, havia ainda uma outra ausência mais significativa na visão de mundo do período: “Ninguém, então, tinha noção do que era impossível”. Entendo que Febvre esteja presumindo que não havia um critério aceito geralmente para o que era impossível, pois o adjetivo “impossível” não consta de sua relação das “palavras que faltam”. Como resultado dessa falta de critério, o que denominamos “ciência” era literalmente impensável no século XVI. “Devemos nos resguardar de projetar esta concepção moderna de ciência nos quadros de referência de nossos ancestrais”. O instrumental intelectual da época era muito “primitivo”. Assim, uma análise precisa e técnica do significado do termo “ateísta” levou muitos escritores a uma temerária caracterização da visão de mundo de uma época inteira.” (Pág 41)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Os Annales começaram como uma revista de seita herética. “É necessário ser herético”, declarou Febvre em sua aula inaugural, Oportet haereses esse (Febvre, 1953, p.16). Depois da guerra, com tudo, a revista transformou-se no órgão oficial de uma igreja ortodoxa47. Sob a liderança de Febvre os revolucionários intelectuais souberam conquistar o establishment histórico francês. O herdeiro desse poder seria Fernand Braudel.” (Pág 43)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><em><strong>3- A era Braudel</strong></em><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Aguas mais calmas, que correm mais profundamente, são o objeto da segunda parte do Mediterrâneo, denominada “Destinos coletivos e movimentos de conjunto”; sua preocupação, a história das estruturas-sistemas econômicos, estados, sociedades, civilizações e formas mutantes de guerra. Esta história se movimenta a um ritmo mais lento do que a dos eventos. As mudanças ocorrem no tempo de gerações, e mesmo de séculos, por isso os contemporâneos dos fatos nem sempre se apercebem delas. Mas, mesmo assim, eles são carregados pela corrente.” (Pág 48)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Como as estruturas políticas, as estruturas sociais dos dois grandes impérios –opostas entre si de diversas maneiras no topo – caminharam gradativamente no sentido de se assemelharem cada vez mais. As principais tendências sociais na Anatólia e nos Balcãs, nos séculos XVI e XVII, corriam paralelas às da Espanha e Itália, sendo que esta, durante o período, estava submetida em grande parte às leis espanholas. Segundo Braudel, a principal tendência, em ambos os lados, era a polarização social e econômica. A nobreza enriquecia e migrava para as cidades, os pobres tornavam-se cada vez mais pobres e eram empurrados para a pirataria e o banditismo. Quanto às classes médias, desapareceram ou “emigraram” para a nobreza, processo descrito por Braudel como a “traição” ou a “falência” da burguesia.” (Pág 49)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“É provavelmente revelador que Braudel use em seus escritos, mais de uma vez, a metáfora da prisão, descrevendo o homem como “prisioneiro” não somente do seu ambiente físico, mas também de sua estrutura mental (os quadros mentais são também prisões de longa duração) (Braudel, 1969, p. 31). Diferentemente de Febvre, Braudel não percebe a dupla face das estruturas, que são, ao mesmo tempo, estimulantes e inibidoras. “Quando penso no indivíduo, escreveu uma vez, sou sempre inclinado a vê-lo como prisioneiro de um destino sobre o qual pouco pode influir”.” ( Pág 53)<br />
</div><div style="text-align: justify;">“O debate sobre os limites da liberdade e o determinismo é um daqueles que deverão permanecer até quando a historiografia existir. Independentemente da opinião dos filósofos, é extremamente difícil aos historiadores, nesse debate, irem além de uma simples afirmação de sua própria posição.” ( Pág 53)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Para os historiadores, é mais significativa a maneira pela qual ele maneja o tempo, seu intento “de dividir o tempo histórico em tempo geográfico, tempo social e tempo individual”, realçando a importância do que se tornou conhecido, desde a publicação do famoso artigo, como a longa duração (Ibid. p. 21; Braudel 1958). A longa duração de Braudel pode ser curta em relação aos padrões dos geólogos, mas sua ênfase do “tempo geográfico” alertou muitos historiadores.” ( Pág 55)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Segundo Braudel, a contribuição especial do historiador às ciências sociais é a consciência de que todas as “estruturas” estão sujeitas a mudanças, mesmo que lentas (Braudel, 1969, pp. 26 ss.). Era impaciente com fronteiras, separassem elas regiões ou ciências. Desejava ver as coisas em sua inteireza, integrar o econômico, o social, o político e o cultural na história “total”. “Um historiador fiel às lições de Lucien Febvre e Marcel Mauss desejará sempre ver o todo, a totalidade do social”.” (Pág 55)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Vale lembrar a advertência de que achava necessário acrescentar para preservar uma certa distância intelectual de Marx e, mais ainda, do marxismo, evitando cair na armadilha de uma estrutura intelectual que considerava muito rígida. “O gênio de Marx, o segredo de sua longa influência, escreveu Braudel, está no fato de ter sido o primeiro a construir verdadeiros modelos sociais, fundamentados na longa duração histórica. Esses modelos se sedimentaram em toda sua simplicidade por lhe darem o status de leis” Braudel, 1969, p. 51).” (Pág 63)<br />
</div><div style="text-align: justify;">“Ele foi assim , de alguma maneira, alheio a dois grandes movimentos no interior da história dos annales de seu tempo, a história quantitativa e a história das mentalidades.” (Pág 66)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Apesar de sua liderança carismática e de sua contribuição, o desenvolvimento da escola dos Annales nos tempos de Braudel, não pode ser explicado apenas em função de suas idéias, interesses e influências. Os “destinos coletivos e as tendências gerais” do movimento merecem também ser examinados. Dessas tendências, a mais importante, de mais ou menos 1950 até 1970, ou mesmo mais, foi certamente o nascimento da história quantitativa. Esta “revolução quantitativa”, como foi chamada, foi primeiramente sentida no campo econômico, particularmente na história dos preços. Da economia espraiou-se para a história social, especialmente para a história populacional.” (Pág 67)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Não se constituia em novidade os historiadores econômicos lidarem com estatísticas. Um grande número de pesquisas sobre a história dos preços havia sido realizado no século XIX (Wiebe, 1895). O início dos anos 30 assistiu a uma explosão de interesse pelo tema, vinculada, sem dúvida, à hiperinflação alemã e ao estouro das bolsas em 1929.” (Pág 67)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Como já vimos, nem Febvre nem Bloch tinham grande interesse nas idéias de Marx. Apesar de seu socialismo e de sua admiração por Jaurès, Febvre era muito voluntarista para ter Marx como fonte de inspiração. Quanto a Bloch, apesar de seu entusiasmo pela história econômica, afastava-se de Marx em razão de sua perspectiva durkheiminiana (Suratteau, 1983). Braudel, como já vimos, deve mais a Marx, mas apenas em suas últimas obras.”(Pág 68)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“De uma maneira similar, a maioria das monografias regionais, dentro do estilo dos Annales das décadas de 60 e 70, uma notável obra coletiva, restringia-se à história econômica e social, com introduções geográficas ao modelo de Braudel.” (Pág 72)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong><em>4 - A terceira geração</em></strong><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Mais significativas, contudo, do que as tarefas administrativas foram as mudanças intelectuais ocorridas nos últimos vinte anos. O problema está em que é mais difícil traçar o perfil da terceira geração do que das duas anteriores. Ninguém neste período dominou o grupo como o fizeram Febvre e Braudel. Alguns comentadores chegaram mesmo a falar numa fragmentação (Dosse, 1987).”(Pág 79)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“A terceira geração é a primeira a incluir mulheres, especialmente Christiane Klapisch, que trabalhou sobre a história da família na Toscana durante a Idade Média e o Renascimento; Arlette Farge, que estudou o mundo social das ruas de Paris no século XVIII; Mona Ozouf, autora de um estudo muito conhecido sobre os festivais durante a Revolução Francesa; e Michèle Perrot, que escreveu sobre a história do trabalho e a história da mulher.”(Pág 80)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Por diferentes caminhos, tentaram fazer uma síntese entre a tradição dos Annales e as tendências intelectuais americanas-como a psico-história, a nova história econômica, a história da cultura popular, antropologia simbólica, etc.” (Pág 80)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Lucien Febvre tomou emprestadas suas idéias sobre a psicologia de Blondel e Wallon. Besançon, Le Roy Ladurie e Delumeau tomaram suas idéias principalmente de Freud, dos freudianos ou neofreudianos. O estilo americano de psico-história, orientado no sentido do estudo de indivíduos, finalmente encontrou a psicologia histórica francesa, dirigida no sentido do estudo de grupos, embora as duas correntes não se tenham fundido numa síntese.” (Pág 85)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Sua contribuição mais substancial, contudo, para a história das mentalidades, ou à história do “imaginário medieval”, como agora denomina, foi realizada vinte anos depois com a publicação do La naissance du Purgatoire, uma história das mudanças das representações da vida depois da morte. Segundo Le Goff, o nascimento da idéia de Purgatório fazia parte da “transformação do cristianismo feudal”, havendo conexões entre as mudanças intelectuais e as sociais. Ao mesmo tempo, insistia na “mediação” de “estruturas mentais”, de “hábitos de pensamento”, ou de “aparatos intelectuais”, em outras palavras, de mentalidades, observando que, nos séculos XII e XIII, surgiram novas atitudes em relação ao tempo, espaço e número, inclusive o que ele chamava do “livro contábil da vida depois da morte” (Pág 86)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Ideologia, observa Duby, não é um reflexo passivo sobre a sociedade, mas um projeto para agir sobre ela”.(Pág 87)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“ A história das mentalidades não foi marginalizada nos Annales, em sua segunda geração, apenas porque Braudel não tinha interesse nela. Existiram pelo menos, duas outras razões mais importantes para essa marginalização. Em primeiro lugar, um bom número de historiadores franceses acreditava, ou pelo menos pressupunha, que a história social e econômica era mais importante, ou mais fundamental, do que outros aspectos do passado. Em segundo lugar, a nova abordagem quantitativa, analisada no capítulo anterior, não encontrava no estudo das mentalidades o mesmo tipo de sustentação oferecido pela estrutura socioeconômica.” ( Pág 88)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“No final da década de 70, os inconvenientes dessa espécie de história tornaram-se visíveis. De fato, houve algo como que uma reação negativa indiscriminada contra a abordagem quantitativa. Ao mesmo tempo se formava uma reação contrária ao que os Annales defendiam, especialmente contra o domínio da história estrutural e social. Olhando para o lado positivo dessas reações, podemos distinguir três correntes: uma mudança antropológica, um retorno à política e um ressurgimento da narrativa.” (Pág 93)<br />
</div><div style="text-align: justify;">“Tudo o que os historiadores anteriores pareciam desejar de sua disciplina vizinha era a oportunidade de sobrevoá-la, de tempos em tempos, em busca de novos conceitos. Alguns historiadores das décadas de 70 e 80, contudo, demonstraram intenções mais sérias. Podiam mesmo pensar em termos de casamento, em outras palavras em termos de “antropologia histórica” ou de “etno-história”. (Pág 94)<br />
</div><div style="text-align: justify;">“Um ponto mais geral enfatizado por Chartier é que é impossível “estabelecer relações exclusivas entre formas culturais específicas e grupos sociais particulares”. Isto claramente torna a história da cultura serial bem mais difícil, se não mesmo impossível. Chartier mudou, portanto, sua atenção, seguindo Pierre Bourdieu e Michel De Certeau, para as “práticas” culturais compartilhadas por vários grupos.”(Pág 99)<br />
</div><div style="text-align: justify;">“Febvre e Braudel pouco se preocuparam com a política nacional, o que não ocorreu com um bom número de historiadores proeminentes do grupo, que estiveram envolvidos com a política francesa do pós-guerra, freqüentemente como membros – pelo menos, por um certo tempo – do Partido Comunista.” (Pág 100)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O renascimento não é simplesmente um retorno ao passado. A biografia histórica é praticada por diferentes razões e assume formas diferentes. Pode ser um meio de entender a mentalidade de um grupo. Uma dessas formas é a vida de indivíduos mais ou menos comuns, como o burguês Joseph Sec, sobre quem Vovelle escreveu em razão de sua “irresistível ascensão”, ou do artesão parisiense, Jean-Louis Ménétra, estudado por Daniel Roche.”(Pág 104)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Paralela ao “retorno à política”, houve recententemente um “renascimento da narrativa” entre os historiadores franceses e de outros países. A frase é de Lawrence Stone, um historiador inglês que atribui a tendência a “uma difundida desilusão com o modelo determinista da explicação marxista”, empregada por historiadores marxistas e dos Annales, e especialmente com o fato de relegarem a cultura à superestrutura ou “terceiro nível”.”(Pág 104)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><em><strong>5 – Os annales numa perspectiva global</strong></em><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Um outro aspecto da influência dos Annales é a difusão de conceitos, abordagens e métodos, de um período histórico para outro, de uma região para outra. O movimento tem sido dominado por estudiosos do início da Europa moderna (Febvre, Braudel, Le Roy Ladurie), seguidos de perto por medievalistas (Bloch, Duby, Le Goff).” (Pág 113) <br />
</div><div style="text-align: justify;">“A conclusão paradoxal a que chegou um observador alemão simpático ao movimento é a de que uma história, ao estilo dos Annales, sobre a história de nosso século é, ao mesmo tempo, necessária e impossível. “Se for escrita, não será história ao estilo dos Annales. Mas à história contemporânea não pode continuar a ser escrita sem os Annales.” (Weaseling, 1978).” (Pág 113)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Embora tenha sido um antigo discípulo de Bloch, Henri Brunschwig, que se tornou um dos mais destacados historiadores da África colonial, seu estudo sobre o imperialismo francês parece dever pouco aos Annales, sem dúvida porque sua preocupação com o passado recente e com a relativamente curta duração (1871-1914) tornam esse modelo irrelevante.” (Pág 114)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Quanto à Ásia è à América, as coisas são ainda mais complicadas. Embora existam sinais de um interesse crescente nessa abordagem e quatro membros do grupo convidados a participar de uma conferência sobre “a nova história”, realizada em Nova Delhi, em 1988, os historiadores hindus pouco se aproveitaram dos Annales.” ( Pág 115)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O mais criativo grupo de historiadores hindus, que navegam sob a bandeira dos “estudos subalternos”, conhecem bem a tradição francesa, mas preferem um marxismo aberto.” (Pág 115)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Um certo número de historiadores japoneses estudou na Hautes Études, mas todos trabalham com a história da Europa.” (Pág 115)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“No desenvolvimento intelectual de Foucault, por exemplo, a “nova história” francesa desempenhou um papel significativo. Foucault caminhou em linhas paralelas às da terceira geração dos Annales. Da mesma maneira que ela, estava preocupado em ampliar os temas da história. Ele tinha algo à ensinar-lhes, como já vimos (conf. p.103.), mas havia o que deles aprender, também.” (Pág 117)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“O que Foucault gosta de denominar sua “arqueologia”, ou a sua “genealogia”, tem, pelo menos, uma semelhança familiar com a história das mentalidades. Ambas as abordagens mostram uma grande preocupação com tendências de longa duração e uma relativa despreocupação com pensadores individualizados.” (Pág 118)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Foucault não aceitava na abordagem dos Annales, em relação à história intelectual, o que considerava a ênfase excessiva na continuidade (Foucault, 1969, p. 32). Era precisamente em sua vontade de ir até o fundo dos problemas e em discutir como as visões de mundo se modificam que Foucault diferia mais agudamente dos historiadores das mentalidades. Estes têm coisas importantes a aprender de sua ênfase nas “rupturas” epistemológicas, por mais furiosos que estejam com sua recusa em explicar tais descontinuidades.” (Pág 119).<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Em outras partes, a situação é mais complicada. Embora o ensaio de Febvre sobre geografia histórica tenha sido traduzido para o inglês logo após a sua publicação, o mundo de fala inglesa era dominado por um estilo tradicional de geografia que pouco espaço deixava para a abordagem francesa. Esse consenso quebrou-se em data recente e foi substituído por um pluralismo, ou melhor, por uma forte disputa entre marxistas, quantitativistas, fenomenólogos e defensores de outros tipos de abordagens, incluindo-se aí os defensores de Braudel.” (Pág 119)<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong><em>REFERÊNCIA:</em></strong> <br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">BURKE, Peter. A Escola dos Annalles, 1929-1989. A revolução francesa da historiografia. São Paulo: Unesp, 1991. 154 paginas.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-7870903957952960292009-09-17T21:56:00.000-07:002009-10-03T18:36:40.051-07:00O Tempo não-reconciliado - Peter Pál Pelbart.<div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTOTaxddj0YbwEWqajjUPIkFhje9mFQRLRVcaUCE146SnVfBqkZNB2r_4VTjj7aNscW6grFZh0OMGLfTFB-Rmx-mMpC4RnHO109Sz6jrAOaZldiOueATTVNOLZA3SSRUpkvuhWrAbYnrTj/s1600-h/gilles.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img $r="true" border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTOTaxddj0YbwEWqajjUPIkFhje9mFQRLRVcaUCE146SnVfBqkZNB2r_4VTjj7aNscW6grFZh0OMGLfTFB-Rmx-mMpC4RnHO109Sz6jrAOaZldiOueATTVNOLZA3SSRUpkvuhWrAbYnrTj/s200/gilles.jpg" width="131" /></a><br />
</div><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;">ALLIEZ, Énric (org). Gilles Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: Ed.34, 2000. </span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"></span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;">560 p. (Coleção TRANS)</span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><strong>O Tempo não-reconciliado</strong></span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><br />
</span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><strong>Peter Pál Pelbart</strong></span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;">“Deleuze Ts`ui Pen, diferentemente de Newton e Schopenhauer, não acreditava num tempo uniforme, absoluto, porém, em infinitas séries de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam, se bifurcam, se cortam ou que secularmente se ignoram abrange todas as possibilidades. Cada vez que um homem se defronta com diversas alternativas, ao invés de optar por uma e eliminar as outras, opta por todas – isto é, cria múltiplos futuros, diversos tempos que também proliferam e bifurcam, produzindo essa pululação de vidas disparatadas.” P.87</span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;">“Eis alguns fragmentos que compõem o bizarro mosaico deleuzeano do tempo, com suas respectivas colorações: o presente como síntese passiva sub-representativa, ou contemplação contraente( Plotino, Hume); o passado como Memória ontológica, Memória-mundo, Cone Virtual ( Bergson); o futuro como retorno seletivo que rejeita Sujeito, Memória,Hábito (Nietzsche); a oposição Aion/ Cronos (estóicos); o tempo do Acontecimento (Péguy,Blanchot); o Intempestivo( Nietzsche); o tempo como “defasagem” (Simondon); a Censura e um tempo que já não “rima” ( Hölderlin); o tempo perplicado, o tempo puro ou reencontrado da arte ( Plotino, Proust); o tempo liberado de sua subordinação ao movimento ( Kant versus Aristóteles); o tempo como Diferença, ou como o Outro ( Platão contra Platão); o tempo como Potência, não como finitude ( Bergson versus Heidegger); o tempo como Fora( Blanchot, Foucault).” P.88</span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;">“As bifurcações maiores suscitam no leitor a pergunta: mas, afinal Deleuze concebe o tempo como contração ou como cisão? como dobra ou desdobra? Como um transcendental ou como o virtual? Trata-se de um tempo puro e vazio, ou de um tempo ontológico, pleno de pontos singulares? Tempo reto ou rizomático? Tempo como interioridade ou como exterioridade? Tempo como Todo ou como Fora? Tempo como Forma ou como Potência?”P.88</span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><em>A dramatização cinematográfica</em></span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;">“As teses maiores de Deleuze sobre o tempo reaparecem de maneira dramatizada em seus livros de cinema, onde conquistaram uma operacionalidade estética que as ilumina em seu conjunto “encadeado”. Tomemos a idéia mais enigmática que organiza esses livros, o tema da emancipação do tempo. “The time is out of joint”, exclama Hamlet. O tempo está fora dos gonzos! O que significa o tempo saído dos eixos, devolvido a si mesmo, o tempo puro e liberado? É um tempo liberado do movimento, isto é, do movimento centrado em torno do seu eixo e encadeado e direcionado conforme a sucessão de seus presentes encaixados. Deleuze alude então a um tempo liberado da tirania do presente que antes o envergava, e disponível, doravante, às mais excêntricas aventuras. Como diz Bruno Schulz em outro contexto, o tempo é um elemento desordenado que só se mantém em disciplina graças a um incessante cultivo, a um cuidado, a um controle, a uma correção dos seus excessos.” P. 88-89</span><br />
<br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;">“Schulz, lembra que carregamos uma carga extranumerária que não cabe no trem dos eventos e no tempo de dois trilhos que o suporta. Para esse contrabando precioso, chamado de Acontecimento, existem as faixas laterais do tempo, desvios cegos, onde ficam “suspensos no ar, errantes, sem lar”, num entremeado multilinear, sem “antes nem “depois”, nem “simultaneamente”, nem “por conseguinte”, o mais remoto murmúrio e o mais longínquo futuro comunicando-se num início virginal. Assim, no seio do tempo contínuo dos presentes encadeados (cronos) insinua-se constantemente o tempo amorfo do Acontecimento ( aion), na sua lógica não dialética, impessoal, impassível, incorpórea: “a pura reserva”, virtualidade pura que não pára de sobrevir.” P. 89</span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;">“No acontecimento coexistem as pontas de presente desatualizadas, ou ainda um mesmo acontecimento se distribui em mundos distintos segundo tempos diferentes, de modo que, o que para um é passado, para o outro é presente, para um terceiro é futuro – mas é o mesmo acontecimento ( o ano passado em Marienbad) . Tempo sideral ou sistema de relatividade, diz Deleuze, porque inclui uma cosmologia pluralista, no qual um mesmo acontecimento se distribui, em versões incompatíveis, em uma pluralidade de mundos. Eis não um deus que escolhe o melhor dos mundos possíveis, mas um Processo que passa por todos eles, afirmando-os “simultaneamente”. É um sistema de variação: dado um acontecimento, não rebatê-lo sobre um presente que o atualiza, mas fazê-lo variar em diversos presentes pertencentes a mundos distintos, embora num certo sentido, mais genérico, eles pertençam a um mesmo mundo estilhaçado. Ou, dado um presente, não esgotá-lo nele mesmo, encontrar nele o acontecimento pelo qual ele se comunica com outros presentes em outros mundos, mergulhar a montante no acontecimento comum em que estão implicados todos: o Emaranhado Virtual.”. P.89-90</span><br />
<br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;">“ Para ficar numa imagem cômoda, o tempo como um lenço: a cada vez que assoamos o nariz, nós o enfiamos no bolso, amarrotando-o e maneira distinta, de forma que dois pontos do lenço que antes estavam distantes e não se tocavam ( como dois momentos da vida, longínquos segundo uma linha do tempo) agora tornam-se contíguos, ou mesmo coincidem, ou , ao contrário, dois pontos em princípio vizinhos agora se afastam irremediavelmente. Como se o tempo fosse uma grande massa de argila, que a cada modelagem rearranja as distâncias entre os pontos nela assinalados. Curiosa topologia em que assistimos a uma transformação incessante, modulação, que reinventa e faz variar as relações entre vários lençóis e seus pontos cintilantes, cada rearranjo criando algo novo, memória plástica, sempre refeita, sempre por vir.” P.90</span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;">“Massa do tempo modelável, ou melhor, modulável, e sobre a qual Deleuze chega até a exclamar, como um Cristóvão Colombo: é a terra, meio vital lamacento!” P.90</span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;">“O tempo passa então a ser concebido não mais como linha, mas como emaranhado, não como rio, mas como terra, não fluxo, e sim massa, não sucessão, porém coexistência, não um circulo, mas turbilhão, não ordem, e sim variação infinita, de modo que não se trata mais de remetê-lo a uma consciência – a consciência do tempo -, mas à alucinação. Enlouquecimento desse tempo fora dos eixos, não sem relação com o tempo daqueles que, fora dos eixos, são ditos loucos.” P.91</span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><br />
</span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><em>Tempo e loucura</em></span><br />
“Sempre que fala do tempo, Deleuze evoca um desregramento: tempo descentrado, aberrante, selvagem, paradoxal, flutuante, ou mesmo afundado. Não parece abusivo considerar que o enlouquecimento do tempo tal como Deleuze o trabalha comunica-se diretamente com a temporalidade da loucura dita “clinica”. P.91<br />
<br />
“De modo que há uma imanência caótica que é recusada em nome de um alhures significante precisamente não assumível pelo psicótico. Enfim, toda uma apologia da historicização, cujo ponto de apoio é o eu historiador, como diria Piera Aulagnier. Assim, de algum modo a temporalidade acaba sendo identificada à historicização. Com tudo o que essa perspectiva possa apresentar de interessante, ou útil, e até de necessária na clinica, ela tem o inconveniente de dificultar o acolhimento dos devires à história”. P . 91<br />
“Deleuze o diz claramente: a História é um marcador temporal do poder. As pessoas sonham em começar do zero, e também temem aonde vão chegar, ou cair. Sempre buscamos a origem e o desfecho de uma vida, num vicio cartográfico, mas desdenhamos o meio, que é uma antimemória, que é onde se atinge a maior velocidade. Esse meio é justamente onde os mais diferentes tempos se comunicam e se cruzam, onde está o movimento, a velocidade, o devir, o turbilhão, diz Deleuze literalmente.” P.92<br />
<br />
“E a pergunta que se impõe é simples: de que figura temporal dispomos para pensar esse meio turbilhonar, ou a desterritorialização como primeira, ou a multiplicidade virtual? De qualquer modo, não deveria deixar de intrigar-nos o fato de que certos fenômenos de perseguição psíquica expõem, mais do que quaisquer outros, a virtualidade pura enquanto virtualidade, descolada principalmente de qualquer atualização centrada ou orientada, abrindo-se para incongruências temporais diversas, que também o cinema, a seu modo, não cansou de explorar desde o início.” P . 92<br />
<br />
<em>Imagem de Tempo</em><br />
“O cinema teria servido a Deleuze, como sugerimos acima, para revelar determinadas condutas de tempo, dando delas imagens diversas, evolutivas, circulares, espiraladas, declinantes, quebradas, salvadoras, desembestadas, ilocalizadas, multivetoriais. Tempo como bifurcação, defasagem, jorramento, oscilação, cisão, modulação, etc.” P.92<br />
<br />
“O pensamento e o tempo estariam assim, desde logo, numa relação de co-pertinência indissolúvel. Com efeito, o que se depreende dos textos de Deleuze a respeito do tempo é que o próprio pensamento não poderia permanecer alheio ao projeto de liberar-se de uma certa ideia de tempo que o formatou, bem do eixo que o encurva.” P.92<br />
<br />
“Assim, como critica uma imagem do pensamento dita dogmática, Deleuze fustiga uma imagem de tempo hegemônica. Ao reivindicar um pensamento sem imagem, para que possam advir outras imagens ao pensamento, Deleuze também reclama um tempo sem imagem, para que se liberem outras imagens do tempo.”P.93 <br />
<br />
“ Mas qual seria a imagem de tempo recusada por Deleuze? Para irmos rápido, diremos: é a do tempo como círculo. Não se trata propriamente de um tempo circular, mas do círculo como uma estrutura profunda, em que o tempo se reconcilia consigo mesmo, em que começo e fim rimam, como diz Hölderlin. O que caracteriza o círculo é a sua monocentragem em torno do presente, de seu Movimento encadeado, orientado, bem como sua totalização subjacente. O círculo, com seu centro, metáfora do Mesmo. E, ainda que o presente se situe num passado remoto e nostálgico, ou num futuro escatológico, nem por isso deixa de continuar funcionando como eixo que encurva o tempo, em torno do qual ele gira, redesenhando o círculo do qual pensávamos ter escapado. Trata-se aí, em última instancia, ainda e sempre, do tempo da Re-presentação.” P.93<br />
<br />
“ O que vem a ser o tempo, quando ele passa a ser pensado enquanto multiplicidade pura ou operando numa multiplicidade pura? O rizoma temporal não tem um sentido ( o sentido da flecha do tempo, o bom sentido, o sentido do bom senso, que vai do mais diferenciado ao menos diferenciado), nem reencontra uma totalidade prévia que, abolido-se, ele se encarregaria de explicar no conceito. Ele não possui um sentido e é alheio a qualquer teleologia.” P.93<br />
<br />
<em>Imagem do Tempo, imagem do pensamento</em><br />
“ Tudo muda de um para outro. Deleuze diz que são dois planos de imanência diferentes, o clássico e o moderno, o da vontade de verdade, por um lado, e o da criação, por outro.” P.95<br />
<br />
“Deleuze assinala três momentos distintos: tempo como anterioridade (na reminiscência platônica, a verdade pressuposta como imagem virtual de um já pensado que redobra todo conceito), tempo como instantaneidade (no inatismo cartesiano, o tempo é expulso do conceito: entre a ideia e a alma que a forma enquanto sujeito, toda distância temporal é anulada), tempo como forma da interioridade( o tempo reintroduzido por Kant no sujeito, e cindindo-o). (...) . O Tempo posto no conceito, o tempo expulso do cogito, o tempo reintroduzido no Cogito, o tempo reintroduzido no sujeito, mas como fissura ou variação.” P.96<br />
<br />
<br />
<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Maikhttp://www.blogger.com/profile/10814858501883636132noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4010202609385410057.post-3467356084721390352009-09-17T19:11:00.001-07:002012-07-30T16:38:59.632-07:00Saudação a todos!<div class="" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: justify;">
</div>
<div class="" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Este blog tem como objetivo servir de fonte aos pesquisadores que estudam o Tempo. Postarei aqui fichamentos, resenhas, artigos, reflexões, etc. Sejam bem vindos todos que queiram contribuir com este blog, seja através de críticas, seja através de link, referências bibliográficas, discussões.</span></div>
<br />
<div class="separator" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: center;">
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